terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo - Sto. Afonso Maria de Ligorio

CAPÍTULO V

Do amor que Jesus nos mostrou, deixando-se a si mesmo em comida antes de entregar-se à morte.

1. Sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo ao Pai, tendo amado os seus, amou-os até ao fim (Jo 13,1). Nosso amantíssimo Redentor, na última noite de sua vida, sabendo que já era chegado o tempo suspirado de morrer por amor dos homens, não teve ânimo de nos deixar sós neste vale de lágrimas. e para não se separar de nós nem mesmo depois de sua morte, quis deixar-se-nos todo em alimento no Sacramento do altar. Com isto deu-nos a entender que, depois desse dom infinito, não tinha mais o que dar-nos para nos testemunhar o seu amor. Cornélio e Lápide, com S. Crisóstomo e Teofilacto, explica segundo o texto grego a palavra até ao fim e escreve: É como se dissesse: amou- os com um amor supremo e sem limites. Jesus neste sacramento fez o último esforço de amor para o homem, como diz o Abade Guerrico (Serm. de Ascens.). Essa idéia foi ainda mais bem expressa pelo sagrado Concílio de Trento, que, falando do sacramento do altar, disse que nele nosso Salvador derramou, por assim dizer, todas as riquezas de seu amor para conosco. (Sess. 13, c.2). Tinha, pois, razão S. Tomás d’Aquino de chamar este sacramento de sacramento de amor e o maior penhor de amor que um Deus nos podia dar (Op. 18, c. 25). E S. Bernardo o chamava amor dos amores. S. Maria Madalena de Pazzi dizia que uma alma depois de comungar pode exclamar: “Tudo está consumado”, já que o meu Deus, tendo-se dado todo a mim nesta comunhão, nada mais tem para comunicar-me. Uma vez perguntou esta santa a uma de suas noviças em que havia pensado depois da comunhão? Respondeu-lhe a noviça: no amor de Jesus. Sim, replicou então a santa, quando se pensa no amor, não se pode ir mais avante, antes é preciso deter-se nele. O Salvador do mundo, que pretendeis dos homens, deixando-vos levar a dar-lhes como alimento o vosso próprio ser? E que mais vos resta dar-nos, depois deste sacramento para nos obrigar a vos amar? Ah! meu Deus amantíssimo, iluminai-me para que conheça qual foi o excesso de bondade que vos reduziu a vos fazerdes minha comida na santa comunhão. Se, pois, vos destes inteiramente a mim, é justo que eu também me dê todo a vós. Sim, Jesus, eu me dou todo a vós, vos amo acima de todos os bens e desejo receber-vos para vos amar ainda mais. Vinde, sim, vinde muitas vezes à minha alma e fazei-a toda vossa. Ah! se eu pudesse dizer que em verdade como S. Filipe Néri ao receber a comunhão em viático: “Eis aí o meu amor, eis aí o meu amor; dai-me o meu amor.”

2. “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, permanece em mim e eu nele” (Jo 6,57). S. Dionísio Areopagita diz que o amor tende sempre à união com o objeto amado. E porque a comida se faz uma só coisa com quem a toma, por isso Nosso Senhor quis fazer-se comida, para que nós, recebendo-o na santa comunhão, nos tornássemos uma só coisa com ele: “Tomai e comei: isto é o meu corpo” (Mt 25,26). Como se quisesse dizer, assevera S. João Crisóstomo: Comei-me, para que nos tornemos um só ser (Hom. 15 in Joan), alimenta-te de mim, ó homem, para que de mim e de ti se faça uma só coisa. Assim como dois pedaços de cera derretidos, diz S. Cirilo Alexandrino, se misturam e confundem, da mesma forma uma alma que comunga se une de tal maneira a Jesus que Jesus está nela e ela em Jesus. Ó meu amado Redentor, exclama S. Lourenço Justiniano, como pudestes chegar e amar-vos tanto e de tal modo unir-vos a vós, que o vosso coração e do nosso não se fizesse senão um só coração? (De div. amor, c. 5). Tinha, pois, razão S. Francisco de Sales de dizer, falando da santa comunhão: O Salvador não pode ser considerado em nenhum outro mistério nem mais amável nem mais terno que neste, no qual se aniquila, por assim dizer, e se reduz a comida para penetrar em nossas almas e unir-se ao coração de seus fiéis: E assim, diz S. João Crisóstomo, nós nos unimos e nos tornamos um corpo e uma carne com aquele em quem os anjos não ousam fixar seus olhares. Que pastor, ajunta o santo, alimenta suas ovelhas com seu próprio sangue? Mesmo as mães dão seus filhos a amas estranhas. Jesus, porém, nesse sacramento nos alimenta com o seu próprio sangue e une-se a nós (Hom. 60). Em suma, ele quer fazer-se nosso alimento e uma mesma coisa conosco, porque nos amava ardentemente (Hom. 51). Ó amor infinito, digno de um infinito amor, quando vos amarei, ó meu Jesus, como vós me amastes? Ó alimento divino, ó sacramento de amor, quando me atraireis todo a vós? não podeis fazer mais para vos fazerdes amar por mim. Eu quero sempre começar a amar-vos, prometo-vos sempre, mas nunca o começo. Quero começar hoje a amar-vos deveras. Ajudai-me, inflamai-me, desprendei-me da terra e não permitais que eu continue a resistir a tantas finezas de vosso amor. Eu vos amo de todo o coração e por isso quero tudo abandonar para vos comprazer, minha vida, meu amor, meu tudo. Quero unir-me muitas vezes convosco neste sacramento, para desprender-me de tudo e amar somente a vós, meu Deus. Espero de vossa bondade poder executá-lo com o vosso auxílio.

3. Temos visto a Sabedoria como que enlouquecida pelo excesso de amor, diz S. Lourenço. E de fato não parece uma loucura de amor, pergunta S. Agostinho, um Deus dar-se em alimento às suas criaturas? (In ps. 33 en. 1). E que mais poderia dizer uma criatura a seu Criador? S. Dionísio Areopagita diz que Deus, por causa da grandeza de seu amor, como que caiu fora de sim, pois, mesmo sendo Deus, se fez não só homem, mas até alimento dos homens (Liv. V de div. Nom. p. 4). Mas tal excesso, Senhor, não convinha à vossa Majestade! Responde por Jesus S. João Crisóstomo: o amor não procura razões quando quer fazer bem e manifestar-se ao objeto amado; vai, não para onde lhe convém, mas para onde o arrasta seu desejo (Sem. 147). Ah! meu Jesus, quanto me envergonho ao pensar que, podendo vos possuir, bem infinito, mais digno de amor que todos os outros bens e tão abrasado em amor por minha alma, eu me deixei levar a amar bens vis e mesquinhos, pelos quais vos abandonei. Por favor, ó meu Deus, manifestai-me cada vez mais as grandezas de vossa bondade, para que eu me abrase sempre mais em amor por vós e mais me esforce para vos agradar. Ah! meu Senhor, que objeto mais belo, mais perfeito, mais santo, mais amável que vós posso encontrar para amar? Amo-vos, bondade infinita, amo-vos mais do que a mim mesmo e quero viver para vos amar e vós que mereceis todo o meu amor.

4. S. Paulo considera o tempo, em que Jesus nos presenteou com este sacramento, dádiva que ultrapassa todos os outros dons que um Deus nos podia fazer: (como afirma S. Clemente), o qual sendo onipotente, nada mais tinha depois disso para nos dar, como atesta S. Agostinho. O Apóstolo nota e diz: “O Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão e dando graças o partiu e disse: Tomai e comei, isto é o meu corpo, que será entregue por vós (1Cor 11,23). Naquela mesma noite, pois, na qual os homens pensavam em preparar a Jesus tormentos e morte, o amante Redentor pensou em deixar-lhes a si mesmo no SS. Sacramento, dando a entender que seu amor era tão grande que, em vez de arrefecer com tantas injúrias, antes mais se acendeu e inflamou com isso. Ah! Senhor amorosíssimo, como pudestes amar tanto os homens, querendo ficar com eles na terra como seu alimento, quando eles vos expulsavam com tanta ingratidão? Note-se, além disso, o imenso desejo que Jesus teve na sua vida de ver chegar aquela noite em que resolvera deixar-nos esse grande penhor de seu amor, declarando no momento de instituir este dulcíssimo sacramento: Desejei ardentemente comer esta páscoa convosco (Lc 22,15). Estas palavras denunciam o ardente desejo que tinha de unir-se conosco na comunhão, pelo grande amor que por nós sentia, diz S. Lourenço Justiniano. E o mesmo desejo conserva Jesus ainda hoje por todas as almas que o amam. Não se encontra uma abelha, disse ele um dia a S. Mectildes, que se precipite com tanto ímpeto sobre as flores para lhes sugar o mel, como eu me dirijo à alma que me deseja, impelido pela violência de meu amor. Ó Deus amabilíssimo, não podeis dar-me maiores provas de vosso amor. Agradeço-vos a vossa bondade. Atraí-me, ó meu Jesus, inteiramente a vós: fazei que vos ame de hoje em diante com todo o meu coração e com toda a ternura. Que os outros se contentem de amar-vos só com um amor apreciativo e predominante: sei que com isso vos contentais; eu só me contentarei quando vir que amo com maior ternura que a um amigo, um irmão, um pai e um esposo. E onde poderei encontrar um amigo, um irmão, um pai, um esposo que tanto me ame, como vós me amastes, meu Criador, meu Redentor e meu Deus, que por mim destes o sangue e a vida e ainda a vós mesmo todo inteiro neste sacramento de amor? Amo-vos, pois, ó meu Jesus, com todos os meus afetos, amo-vos mais do que a mim mesmo. Ajudai-me a amar-vos e nada mais vos peço.

5. Diz S. Bernardo que Deus nos amou somente para ser amado por nós (In Cant. serm. 83). E por isso protestou nosso Salvador que ele veio à terra para fazer-se amar: Vim trazer fogo à terra! Oh! que belas chamas de santo amor não acendeu Jesus nas almas por meio deste diviníssimo sacramento. Dizia o venerável S. Francisco Olímpio, teatino, que nenhuma coisa é tão apta para inflamar os nossos corações a amar o sumo bem como a santa comunhão. Hesíquio chamava a Jesus no SS. Sacramento o fogo divino e S. Catarina viu um dia nas mãos de um sacerdote a Jesus-Sacramento semelhante a uma fornalha de amor, admirando-se de não estar o mundo inteiro abrasado por ela. Segundo o abade Ruperto E S. Gregório Nisseno, o altar é aquela adega onde a alma, esposa de Jesus, se inebria de amor por seu Senhor, de tal modo esquecida da terra que se abrasa docemente e enlanguesce de santa caridade. “Introduziu-me na cela vinária, diz a esposa dos Cânticos, e ordenou em mim a caridade. Conformai-me com flores e alentai-me com maçãs, porque desfaleço de amor” (Ct 2,4). Ó amor de meu coração, Santíssimo Sacramento! Oh! se eu me recordasse sempre de vós e me esquecesse de tudo para amar a vós somente, sem interrupção e sem reserva. Ah! meu Jesus, tanto batestes à porta de meu coração que afinal nele entrastes, como eu o espero. Já, porém, que nele entrastes, peço-vos expulseis dele todos os afetos que não tendem para vós. Tomai posse de tal modo de mim que eu possa doravante dizer em toda a verdade com o profeta: “Que tenho eu no céu e, fora de ti, que desejei sobre a terra?... Deus de meu coração e minha partilha, Deus para sempre” (Sl 72,25). Meu Deus, que desejo eu fora de vós nesta terra e no céu? Vós só sois e sempre sereis o único senhor de meu coração e de minha vontade e vós só haveis de ser toda a minha partilha, toda a minha riqueza nesta e na outra vida.

6. Ide, dizia o profeta Isaías, ide e publicai por toda parte as invenções amorosas de nosso Deus, para obrigar os homens a seu amor. “Tirareis água com alegria das fontes do Salvador e direis nesse dia: Louvai o Senhor e invocai o seu nome, fazei conhecidas aos povos as suas invenções” (Is 12,3). E que invenções não achou o amor de Jesus para se fazer amar por nós! Na cruz quis ele abrir-nos nas suas chagas tantas fontes de graças que, para recebê-las, basta o pedi-las com confiança. E não contente com isso quis dar-se todo a nós no SS. Sacramento. Ó homem, exclama S. João Crisóstomo, por que és tão mesquinho e te mostras tão reservado no amor para com teu Deus, que sem reserva se deu inteiramente a ti? É precisamente no SS. Sacramento, diz o Doutor Angélico, que Jesus nos dá tudo quanto é e quanto tem (Opusc. 63, c. 3). Eis o Deus imenso que o mundo não pode conter, ajunta S. Boaventura, tornado nosso prisioneiro e cativo, quando vem ao nosso peito na sagrada comunhão (In praep. Miss. c. 4). Por isso S. Bernardo, considerando, esta verdade, fora de si de amor, exclamava: O meu Jesus quis fazer-se hóspede inseparável de meu coração. E já que o meu Deus quis entregar-se inteiramente a mim para cativar-me o amor, é justo, concluía, que eu me empregue todo e inteiro em servi-lo e amá-lo. Ah! meu caro Jesus, dizei-me, que mais vos resta inventar para vos fazerdes amar? E eu continuarei a viver tão ingrato para convosco como o tenho sido até agora? Senhor, não o permitais. Vós dissestes que quem se alimenta de vossa carne na comunhão viverá por virtude de vossa graça: “Quem me comer viverá por mim” (Jo 6,58). Visto, pois, que vos não dedignais vir a mim na sagrada comunhão, fazei que minha alma viva sempre da verdadeira vida da vossa graça. Arrependo-me, ó sumo bem, de havê-la desprezado na minha vida passada, mas vos agradeço o tempo que me dais para chorar as ofensas que vos fiz. Quero pôr em vós, no restante de minha vida, todo o meu amor e pretendo agradar-vos quanto em mim estiver. Socorrei-me, ó meu Jesus, não me abandoneis. Salvai-me por vossos merecimentos, e minha salvação consista em amar-vos sempre nesta vida e na eternidade. Maria, minha Mãe, ajudai-me também vós.

Meditações para a Quaresma - Santo Tomás de Aquino

7. Terça-feira depois do I domingo da Quaresma: De que modo Cristo sofreu todos os sofrimentos

Terça-feira depois do I domingo da Quaresma

Os sofrimentos humanos podem ser considerados à dupla luz. Primeiro, quanto à espécie. E então, não devia Cristo sofrer todos os sofrimentos; pois, muitas espécies de sofrimentos são contrárias entre si, tal a combustão pelo fogo e a submersão na água. Mas, agora tratamos dos sofrimentos de proveniência extrínseca; pois, os sofrimentos procedentes de causas externas, como as doenças do corpo, não devia ele sofrê-los, como dissemos. Mas, quanto ao gênero, sofreu todos os sofrimentos humanos. O que é susceptível de tríplice consideração:

1. Primeiro, quanto aos homens que lhe causaram sofrimentos. Pois, certos sofrimentos lhe foram infligidos pelos gentios e pelos judeus; por homens e por mulheres, como o mostram as criadas acusadoras de Pedro. Também recebeu sofrimentos de príncipes e de seus ministros, e do populacho, conforme a Escritura (Sl 2, 1): « Por que razão se embraveceram as nações e os povos meditaram coisas vãs? Os reis da terra se sublevaram e os príncipes se coligaram contra o Senhor e seu Cristo». Sofreu também de seus discípulos e conhecidos: como de Judas, que o traiu e de Pedro, que o negou.

2. Segundo, o mesmo se conclui relativamente àquilo em que o homem pode sofrer. Assim, sofreu nos seus amigos, que o abandonaram; na sua reputação, pelas blasfêmias contra ele proferidas; na sua honra e glória, pelas irrisões e contumélias contra ele assacadas; nos bens, quando das suas próprias vestes foi espoliado; na alma, pela tristeza, pelo tédio e pelo temor; no corpo, pelos ferimentos e flagelações.

3. Terceiro, podemos considerá-lo relativamente aos membros do corpo. Assim, Cristo sofreu, na cabeça, a coroa de pungentes espinhos; nas mãos e nos pés, a pregação dos cravos; na face, bofetadas e cuspe; e em todo o corpo, flagelações. Sofreu também em todos os sentidos do corpo: no tato, quando flagelado e pregado com cravos; no gosto, quando lhe deram de beber fel e vinagre; no olfato, quando suspenso no patíbulo, num lugar fétido pelos cadáveres dos supliciados, chamado Calvário; no ouvido, ferido pelas vociferações dos que o blasfemavam e faziam dele irrisão; na vista, ao ver sua mãe e o discípulo a quem amava, chorando.
Quanto à suficiência, um sofrimento mínimo de Cristo bastava para remir o gênero humano de todos os pecados. Mas, quanto à conveniência, foi suficiente que sofresse todos os gêneros de sofrimentos.
III, q. XLVI, a. 5.
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae.)

Padre Pio - Frases para cada dia do ano

Dia 28  -  No momento das provas pronuncie sempre o nome de Jesus.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo - Sto. Afonso Maria de Ligorio

CAPÍTULO IV

Do grande desejo que teve Jesus de padecer e morrer por nosso amor

1. Muito terna, amorosa e afetuosa foi aquele declaração que fez nosso Redentor quando veio à terra, afirmando que ele tinha vindo para acender nas almas o fogo do amor divino e que não tinha outro desejo senão ver acesa nos corações de todos os homens essa santa chama. “Eu vim trazer fogo à terra e que desejo senão que ele se acenda?” (Lc 12,49). E ajunta imediatamente que desejava ser batizado no batismo de seu próprio sangue, não para lavar seus próprios pecados (pois era impecável), mas os nossos, pelos quais ele vinha satisfazer por seus tormentos. A paixão de Cristo chama-se batismo, porque fomos purificados por seu sangue, diz S. Boaventura. Em seguida nosso amantíssimo Jesus, para nos fazer compreender o ardor desse seu desejo de morrer por nós, acrescenta, com grande expressão de amor, que ele sentia uma imensa aflição por ter de diferir a execução de sua paixão, tão grande era o seu desejo de padecer por nosso amor. Eis suas amorosas palavras: “Tenho de ser batizado em um batismo e quão grande é minha angústia enquanto não o vejo cumprido” (Lc 12,50).

2. Ó Deus, abrasado em amor pelos homens, que podíeis mais dizer e fazer para obrigar-me a vos amar? E que bem vos podia trazer meu amor, que, para obtê-lo, quisestes morrer e desejastes tão ardentemente a morte? Se um meu escravo tivesse apenas desejado morrer por mim, seguramente teria conquistado o meu amor, e poderei viver sem amar com todo o meu coração a vós, meu Rei e meu Deus, que por mim morrestes e com tão grande desejo de obter o meu amor!

3. Sabendo Jesus que chegara a sua hora de se ir deste mundo para seu Pai, tendo amado os seus, amou-os até ao fim (Jo 13,1). Diz S. João que Jesus chamou sua hora a hora de sua Paixão, porque, como escreve um piedoso comentador, foi esse o momento da vida mais ardentemente desejado por nosso Redentor; com padecer e morrer pelo homem, ele queria fazê-lo compreender o amor imenso que lhe dedicava: É aquela hora do amante em que padece pelo amigo (Barrad t. 4. 1. 2., c. 5). É cara ao que ama a hora em que sofre pela pessoa amada, já que o padecer por outrem é a coisa mais própria para manifestar-lhe o nosso amor e ganhar-lhe o seu. Ah! meu caro Jesus, para me patenteardes o vosso grande amor, não quisestes confiar a outrem a obra de minha redenção. Tão caro vos era o meu amor, que quisestes padecer tão grandes penas para conquistá-lo. E que mais poderíeis fazer, se tivésseis de granjear o amor de vosso Eterno Pai? Que mais poderia padecer um escravo para obter o amor de seu senhor, do que aquilo que suportastes para serdes amado por mim, escravo vil e ingrato?

4. Vejamos nosso amado Jesus, já próximo a ser sacrificado sobre o altar da cruz por nossa salvação, naquela noite bem-aventurada que precedeu a sua paixão. Ouçamos o que diz a seus discípulos na última ceia que toma com eles. “Ardentemente desejei comer esta páscoa convosco” (Lc 22,15). S. Lourenço Justiniano, considerando estas palavras, assevera que foram todas expressões de amor. Como se nosso amante Redentor tivesse dito: ó homens, sabei que esta noite, na qual se dará início à minha paixão, é o tempo pelo qual mais suspirei durante toda a minha vida, porque agora com meus sofrimentos e com minha acerba morte vos farei compreender quanto eu vos amo e assim vos obrigarei a amar-me da maneira mais eficaz que me é possível. Diz um autor que na paixão de Jesus a onipotência divina se uniu com o amor; o amor pretendeu amar o homem com toda a extensão da onipotência e a onipotência procurou satisfazer o amor em toda a extensão de seu desejo. Ó sumo Deus, vós me haveis dado tudo, dando-vos a mim, e como posso deixar de amar-vos com todo o meu ser? Eu creio, sim, eu o creio, que vós morrestes por mim e como posso amar-vos tão pouco, esquecendo-me tão a miúdo de vós e do quanto padecestes por mim! E por que, Senhor, não me sinto todo abrasado no vosso amor, ao pensar na vossa paixão e não me rendo todo a vós, como tantas almas santas, que, considerando vossos sofrimentos, tornaram-se presas felizes de vosso amor e deram-se por inteiro a vós?

5. Dizia a esposa dos Cânticos que, cada vez que seu esposo a introduzia na sagrada cela de sua paixão, se via de tal modo assaltada pelo amor divino, que, desfalecida de amor, era obrigada a buscar alívio ao seu coração ferido: “Introduziu-me em sua adega e ordenou em mim a caridade. Confortai-me com flores, alentai-me com pomos, porque desfaleço de amor” (Ct 2,4). E como é possível que uma alma, pondo-se a considerar a paixão de Jesus Cristo, as dores e a agonia que tanto afligiram o corpo e a alma de seu amado Senhor, não se sinta ferida como por outras tantas setas de amor e docemente forçada a amar a quem tanto o amou? Ó Cordeiro sem mancha, como me pareceis belo e amável quando vos contemplo nessa cruz assim dilacerado, ensangüentado e desfigurado! Sim, porque todas essas chamas que em vós eu vejo, são provas e sinais do grande amor que me tendes. Ah, se todos os homens vos contemplassem nesse estado, em que fostes dado um dia em espetáculo a Jerusalém, quem poderia deixar de sentir-se cativo de vosso amor? Meu amado Senhor, aceitai o meu amor, pois eu vos consagro todos os meus sentido e toda a minha vontade. E como vos poderei negar alguma coisa quando vós não me negastes o vosso sangue, a vossa vida e todo o vosso ser?

6. Tão grande foi o desejo de padecer por nós, que na noite anterior à sua morte não somente seguiu espontaneamente para o horto, onde sabia que os judeus o haviam de prender, mas também disse a seus discípulos, sabendo que Judas, o traidor, já estava próximo com a escolta dos soldados: Levantai-vos, vamos; já está próximo quem me vai trair (Mc 14,42). Quis ele mesmo ir ao seu encontro, como se viessem para conduzi-lo não já ao suplício da morte, mas à coroa de um grande reino. Ó meu doce Salvador, fostes ao encontro da morte com tão ardente desejo de morrer, pelo excessivo anseio que tínheis de ser amado por mim. E eu não desejarei morrer por vós, meu Deus, para testemunhar-vos o amor que vos tenho? Sim, meu Jesus, morto por mim, eu também desejo morrer por vós. Eu vos consagro o sangue, a vida, tudo o que tenho! Eis-me pronto a morrer por vós como e quando vos aprouver. Aceitai este mesquinho sacrifício que vos faz um miserável pecador, que antigamente vos ofendeu, mas agora mais vos ama do que a si mesmo.

7. S. Lourenço Justiniano considera aquele Sítio que Jesus proferiu na cruz ao morrer e diz que essa sede não foi uma sede que provinha da necessidade de água, mas que nascia do fogo do amor que Jesus sentia por nós: Essa sede provinha do ardor da caridade. Com essa palavra nosso Redentor quer manifestar-nos, mais que a sede do corpo, o desejo que tinha de sofrer por nós, demonstrando-nos o seu amor e juntamente o desejo que sentia de ser amado por nós depois de tantos sofrimentos suportados por nós. E S. Tomás afirma igualmente: Por este Sítio mostra seu ardente desejo de salvação do gênero humano (In Jo 19,1.5). Ah! Deus de amor, é possível que fique sem correspondência um tal excesso de caridade? Costuma-se afirmar que amor com amor se paga, mas com que amor se poderá pagar o vosso amor? Seria necessário que um outro Deus morresse por nós, para compensar o amor que nos testemunhastes, morrendo por nós. Como, pois, Senhor meu, como pudestes afirmar que vossas delícias consistiram em estar com os homens, se deles não tendes recebido senão injúrias e maus tratos? O amor, pois, vos transforma em delícias as dores e os vitupérios que sofrestes por nós.

8. Ó Redentor amabilíssimo, não quero resistir por mais tendo às vossas finezas: eu vos consagro todo o meu amor. Vós sereis entre todas as coisas e haveis de ser sempre o único amor de minha alma. Fizestes-vos homem para ter uma vida que dar por mim e eu desejaria ter mil vidas para sacrificá-las todas por vós. Eu vos amo, bondade infinita, e quero amar-vos com todas as minhas forças; quero fazer quanto em mim estiver para vos agradar. Vós, inocente, tanto padecestes por mim e eu, pecador, que mereci o inferno, quero sofrer por vós o que vos aprouver. Meu Jesus, auxiliai este meu desejo que vós mesmo me inspirais, pelos vossos merecimentos. Ó Deus infinito, eu creio em vós, em vós eu espero, a vós eu amo. Maria, minha Mãe, intercedei por mim. Amém.

Meditações para a Quaresma - Santo Tomás de Aquino

6. Segunda-feira depois do I domingo da Quaresma:

Cristo devia ser tentado no deserto

Segunda feira depois do I domingo da Quaresma
«Jesus estava no deserto quarenta dias e quarenta noites e ali foi tentado por Satanás» (Mc 1, 13)
I. —Cristo, por vontade própria deixou-se tentar pelo diabo, assim como voluntariamente entregou o corpo à morte; do contrário, o diabo não ousaria aproximar-se dele. Ora, o diabo atenta de preferência os solitários; pois, como diz a Escritura (Ecle 4, 12), «se alguém prevalecer contra um, dois lhe resistem». Por isso foi Cristo para o deserto, como para o campo da luta, para ser nele tentado pelo diabo. Donde o dizer Ambrósio, que Cristo foi ao deserto deliberadamente, para provocar o diabo. Pois, se este não viesse atacá-lo, i. é, o diabo, Cristo não o teria vencido.
Mas, acrescenta ainda outras razões, dizendo que Cristo assim procedeu misteriosamente para livrar Adão do exílio; pois, este fora precipitado, do paraíso, num deserto. Para nos mostrar, com o seu exemplo, que o diabo inveja os que progridem no bem.

II. — Cristo, indo ao deserto, se expôs à tentação. Crisóstomo diz: «contra os solitários é que o diabo emprega toda a força da sua tentação. Por isso, no princípio tentou a mulher, quando a viu desacompanhada de Adão». Contudo, isso não significa que o homem deva, indiscriminadamente, se deixar expor à tentação.
Há duas espécies de ocasião à tentação. Uma da parte do homem, como quando não evitamos as ocasiões próximas de pecar. Pois, tais ocasiões devemos evitá-las, como foi dito a Lot: «Não pares em parte alguma dos arredores de Sodoma» (Gn 19, 17). A outra espécie de ocasião vem do diabo, sempre invejoso de quem se esforça para ser melhor. E essa ocasião de tentação não devemos evitá-la. Por isso diz Crisóstomo: «Não só Cristo foi levado pelo Espírito ao deserto, mas também todos os filhos de Deus possuidores do Espírito Santo, que não consentem em ficar ociosos, mas são ungidos pelo Espírito Santo a empreender grandes obras; e isso, para o diabo, é estar no deserto, onde não há o pecado que ele se compraz. Também todas as boas obras constituem um deserto, para a carne e para o mundo, porque contrariam as tendências de uma e de outro.» Ora, dar ocasião de tentação ao diabo não é perigoso, porque maior é o auxílio do Espírito Santo, autor das obras perfeitas, do que o ataque do diabo invejoso.
III, q. XLI, a. 2.
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae.)

Padre Pio - Frases para cada dia do ano

Dia 27  -  O demônio nunca conseguirá demover uma alma que está agarrada à Cruz.

domingo, 26 de fevereiro de 2023

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo - Sto. Afonso Maria de Ligorio

CAPÍTULO III

Jesus por nosso amor quis desde o princípio de sua vida sofrer as penas de sua Paixão.

1. Para fazer-se amar do homem foi que o Verbo divino veio ao mundo tomar a natureza humana. Veio com tão grande desejo de sofrer por nosso amor, que não quis perder um só momento em dar começo a seus tormentos, ao menos pela apreensão. Apenas concebido no ventre de Maria, já se representou em espírito todos os tormentos de sua Paixão e para nos obter o perdão e a graça divina se ofereceu ao Padre Eterno para satisfazer por nós, sujeitando-se a todas as penas e castigos devidos a nossos pecados. Deste esse instante começou a padecer tudo o que depois veio a sofrer na sua dolorosa morte. Ah! meu amorosíssimo Redentor, e eu até agora que fiz ou que padeci por vós? Se durante mil anos suportasse por vós os tormentos sofridos pelos mártires, seria ainda pouco em comparação daquele só primeiro momento em que vos oferecestes e começastes a padecer por mim.

2. Os mártires sofreram de fato grandes dores e ignomínias, mas unicamente na ocasião de seu martírio. Jesus padeceu sempre, desde os tormentos de sua Paixão, já que, desde o primeiro momento, se pôs diante dos olhos toda a cena horripilante dos tormentos e das injúrias que devia receber dos homens. Por isso ele, por boca do profeta, disse: Minha dor está sempre à minha vista (Sl 37,18).Ah! meu Jesus, vós por meu amor vos mostrastes tão desejoso de padecer, que quisestes sofrer antes do tempo e eu sou tão ávido de prazeres da terra. Quantos desgostos vos dei para satisfazer o meu corpo! Senhor, pelos méritos de vossos padecimentos, tirai-me o afeto aos prazeres terrenos. Eu proponho por vosso amor abster-me de tal satisfação (nomeai-a).

3. Deus, por compaixão conosco, não nos revela antes do tempo os sofrimentos que nos estão preparados. Se a um réu condenado à forca fosse revelado desde o uso da razão o suplício que o esperava, poderia ele ter um só dia de alegria? Se, desde o começo de seu reinado, fosse mostrada a Saul a espada que o deveria transpassar; se Judas previsse o laço que deveria sufocá-lo, quão amarga não lhes seria a vida! Nosso amável Redentor, desde o primeiro instante de sua vida, tinha diante dos olhos os açoites, os espinhos, a cruz, os ultrajes da sua paixão, a morte dolorosa que o esperava. Quando via as vítimas que eram sacrificadas no templo, sabia muito bem que todas elas eram figura do sacrifício que esse Cordeiro imaculado deveria consumar no altar da cruz. Quando via a cidade de Jerusalém, sabia que aí deveria sacrificar sua vida num mar de dores e de vitupérios. Quando olhava para sua querida Mãe, já a imaginava agonizante ao pé da cruz, junto a si moribundo. E assim, meu Jesus, a vista horrível de tantos males em toda a vossa vida vos afligiu sempre e vos atormentou antes do tempo de vossa morte. E vós aceitastes tudo e sofrestes por meu amor.

4. Somente a vista de todos os pecados do mundo, especialmente dos meus, ó meu aflito Senhor, com os quais já prevíeis que eu vos havia de ofender, fez que a vossa vida fosse a mais aflita e penosa de todas as existências passadas e futuras. Mas, ó meu Deus, em que lei bárbara está escrito que um Deus ame tanto uma criatura e que depois disso a criatura viva sem amar o seu Deus, antes o ofenda e desgoste? Fazei, Senhor, que eu conheça a grandeza de vosso amor, para que não vos seja mais ingrato. Ó meu Jesus, se eu vos amasse, se eu vos amasse deveras, quão doce me seria o padecer por vós.

5. À Sóror Madalena Orsini, que já há longo tempo vivia atribulada, apareceu uma vez Jesus na cruz, e a animou a sofrer com paciência. A serva de Deus respondeu: Mas, Senhor, vós só por três horas estivestes pregado na cruz e eu já há mais anos sofro este tormento. Repreendendo-a, disse-lhe Jesus Cristo: “Ah! ignorante, que dizes? Eu, desde o primeiro instante em que me achei no seio de minha Mãe, sofri no coração tudo aquilo que mais tarde tolerei na cruz”. E eu, meu caro Redentor, à vista de tantos tormentos que durante toda a vossa vida sofrestes por meu amor, como posso lamentar-me das cruzes que vós me enviais para meu bem? Agradeço-vos haver-me remido com tanto amor e com tanta dor. Vós, para animar- me a sofrer com paciência as penas desta vida, quisestes vos encarregar de todos os nossos males. Ah! Senhor, fazei que tenha sempre presentes as vossas dores, para que eu aceite e deseje sempre padecer por vosso amor.

6. “Grande como o mar é vossa dor” (Lm, 2,13). Como as águas do mar são salgadas e amargosas, assim a vida de Jesus foi toda cheia de amarguras e falta de todo o alívio, como ele mesmo disse a S. Margarida de Cortona. Além disso, como no mar se reúnem todas as águas da terra, assim em Jesus Cristo se reuniram todas as dores dos homens. Pela boca do Salmista ele mesmo o afirma: “Salvai-me, ó meu Deus, porque as águas entraram até a minha alma; cheguei ao alto mar e a tempestade me submergiu” (Sl 68,1). Ah! meu caro Jesus, meu amor, minha vida, meu tudo, se eu contemplo exteriormente o vosso corpo, nada mais vejo senão chagas. Se penetro em vosso coração desolado, não encontro senão amarguras e opróbrios, que vos causam mortais agonias. Ah! meu Senhor, quem, além de vós, que sois uma bondade infinita, se sujeitaria a padecer tanto e morrer por uma criatura vossa? Mas, porque vós sois Deus, amais como Deus, com um amor que não pode ser comparado com nenhum outro amor.

7. S. Bernardo diz: Para remir o escravo, o Pai não poupou a seu Filho e o Filho não se poupou a si mesmo (Serm. de pass. Dom.). Ó caridade infinita de Deus: de um lado o Padre Eterno impôs a Jesus Cristo satisfazer por todos os pecados dos homens (Is 53,6) e doutro lado, Jesus, para salvar os homens da maneira mais amorosa possível, quer tomar sobre si a pena que era devida à divina justiça em todo o seu rigor, do que conclui S. Tomás que ele se submeteu a todas as dores e a todos os ultrajes em sumo grau. Por essa razão, Isaías o chama o homem das dores e o mais desprezado de todos os homens (Is 53,3). E com razão, porque enquanto Jesus era atormentado em todos os membros e sentidos do corpo, sofria ainda maiores tormentos em todas as potências de sua alma, visto que as penas interiores superam imensamente todas as dores externas. Ei-lo, pois, dilacerado, exangue, tratado como enganador, mágico, doido abandonado por seus próprios amigos e finalmente perseguido por todos até findar sua vida sobre um infame patíbulo.

8. Sabeis o que eu fiz para vós (Jo 13,12). Senhor, eu sei quanto fizestes e padecestes por meu amor, e vós sabeis que até agora nada fiz por vós. Meu Jesus, ajudai-me a sofrer qualquer coisa por amor de vós, antes de me atingir a morte. Eu me envergonho de aparecer diante de vós, mas não quero ser mais aquele ingrato que tenho sido para convosco há tantos anos. Vós vos privastes de todo o prazer por mim; eu renuncio por vosso amor a todos os prazeres dos sentidos. Vós sofrestes tantas dores por mim; eu quero sofrer por vós todas as penas de minha vida e minha morte. Vós fostes abandonado e eu consinto em ser abandonado por todos, para que vós não me abandoneis, meu único e sumo bem. Vós fostes perseguido e eu aceito toda sorte de perseguições. Vós finalmente morrestes por mim e eu quero morrer por vós. Ah! meu Deus, meu tesouro, meu amor, meu tudo, eu vos amo, dai-me mais amor.

Meditações para a Quaresma - Santo Tomás de Aquino

5. Primeiro domingo da Quaresma: A tentação de Cristo

I Domingo da Quaresma

«Foi levado Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo.» (Mt 4, 1)
Cristo quis ser tentado:
1. Primeiro, para nos dar auxílio contra as tentações. Por isso diz Gregório: «Não era indigno do nosso Redentor querer ser tentado, ele que veio para ser imolado; para que assim vencesse as nossas tentações com as suas, assim como venceu com a sua a nossa morte.»

2. Segundo, para nossa cautela: a fim de que ninguém, por santo que seja, se julgue seguro e imune da tentação. Por isso quis ser tentado depois do batismo; porque, como diz Hilário, «as tentações do diabo são mais freqüentes sobretudo contra os santos, porque sobre estes é que ela mais deseja a vitória.» Donde o dizer a Escritura (Ecle 2, 1): «Filho, quando entrares no serviço de Deus, tenha-se firme na justiça e no temor e prepara a tua alma para a tentação.»

3. Terceiro, para nos dar o exemplo de como devemos vencer as tentações do diabo. Donde o dizer Agostinho: «Cristo deixou-se tentar pelo diabo, para nos mostrar como venceremos as suas tentações, não somente pelo seu auxílio, mas também pelo seu exemplo.»

4. Quarto, para nos excitar à confiança na sua misericórdia. Donde o dizer o Apóstolo (Heb 4, 15): «Não temos um pontífice que não possa compadecer-se das nossas enfermidades, mas que foi tentado em todas as coisas à nossa semelhança, exceto o pecado».
III, q. XLI, a. 1.
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae.)

Padre Pio - Frases para cada dia do ano

Dia 26  -  Nunca desista diante das dificuldades.

sábado, 25 de fevereiro de 2023

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo - Sto. Afonso Maria de Ligorio

CAPÍTULO II

Jesus quis padecer tanto por nós, para nos fazer compreender o grande amor que nos consagra

1. Duas coisas fazem conhecer um amigo, escreve Cícero: fazer- lhe bem e padecer por ele, e esta é a maior prova de um verdadeiro amor. Deus já tinha demonstrado seu amor ao homem, dispensando-lhe inúmeros benefícios, mas, segundo S. Pedro Crisólogo, beneficiar unicamente ao homem parecer-lhe-ia muito pouco a seu amor, se não tivesse encontrado o modo de demonstrar-lhe quanto o amava, padecendo e morrendo por ele, como o fez de fato, tomando a natureza humana (Serm. 69). E que maneira mais apta poderia Deus encontrar para manifestar-nos o amor imenso que nos consagra, do que fazer-se homem e padecer por nós? Não poderia se manifestar de outra maneira o amor de Deus para conosco, escreve a esse respeito S. Gregório Nazianzeno. Meu amado Jesus, muito vos tendes esforçado por demonstrar-me vosso afeto e patentear-me vossa bondade. Grande, pois, seria a ofensa a vós feita, se vos amasse pouco ou amasse outra coisa além de vós.

2. Cornélio a Lápide diz que Deus nos deu o maior sinal de amor, deixando-se ver coberto de chagas, pregado à cruz e morto por nós. E antes dele, disse S. Bernardo que Jesus em sua Paixão nos fez conhecer que seu amor para conosco não podia ser maior do que foi (De pass. c. 14). Escreve o Apóstolo que, quando Jesus Cristo quis morrer por nossa salvação, demonstrou até onde chegava o amor de um Deus para conosco, miseráveis pecadores (Tito 3,4). Ah! meu amante Salvador, compreendo: todas as vossas chagas me falam do amor que me tendes. E quem poderá deixar de vos amar, depois de tantos sinais de vossa caridade? S. Teresa tinha razão de dizer, ó amabilíssimo Jesus, que quem não vos ama demonstra que vos desconhece.

3. Jesus Cristo, mesmo sem padecer e levando na terra uma vida agradável e deliciosa, poderia nos obter a salvação. Mas, como diz S. Paulo, havendo-lhe sido proposto o gozo, sofreu na cruz (Hb 12,2). Ele recusou as riquezas, as delícias, as honras terrestres, e escolheu uma vida pobre e uma morte cheia de dores e de opróbrios. E por quê? Não seria suficiente se ele tivesse suplicado ao Padre Eterno, com uma petição simples, que perdoasse ao homem a qual, sendo de valor infinito, bastaria para salvar o mundo e infinitos mundos? por que foi que ele quis suportar tantos tormentos e uma morte tão cruel, havendo se separado a alma de Jesus de seu corpo exclusivamente por pura dor, como nota um autor? (Contens. 1. 10, d. 4 c. 1). Por que tanto esforço para remir o homem? “Se uma prece de Jesus bastava para remir-nos, responde S. João Crisóstomo (Serm. 128), contudo não bastou para nos demonstrar o amor que este Deus nos tinha. O que bastava à redenção não bastava ao amor”. E S. Tomás confirma-o, dizendo: “Cristo, sofrendo por amor, pagou a Deus mais do que exigia a reparação da ofensa do gênero humano” (III q. 48, a. 2). Porque Jesus muito nos amava, desejava também ser muito amado por nós e por essa razão fez o quanto pôde, mesmo a preço de sofrimentos, para conquistar o nosso amor e nos fazer compreender que nada mais lhe restava fazer para ser amado por nós. Ele quis padecer muito, para obrigar-nos a amá-lo muito, diz S. Bernardo.

4. E que maior prova de amor, diz o próprio Salvador, poderá dar um amigo a seu amigo, do que dar a vida por seu amor? (Jo 15,13). Mas vós, ó amantíssimo Jesus, diz S. Bernardo, fizestes mais do que isso, já que quisestes dar a vida por nós, não vossos amigos, mas inimigos e rebeldes. É o que faz notar o Apóstolo, quando escreve: “Deus faz brilhar a sua caridade em nós, porque, quando ainda éramos pecadores, em seu tempo Cristo morreu por nós” (Rm 5,8). Vós, pois, ó meu Jesus, quisestes morrer por mim, vosso inimigo, e eu poderei resistir a tão grande amor? Eia, pois, já que com tanto ardor desejais que vos ame sobre todas as coisas, repelirei todo outro amor e quero amar-vos a vós somente.

5. São João Crisóstomo diz que o fim principal que teve Jesus em sua paixão foi o de manifestar o seu amor e assim atrair os nossos corações com a recordação dos sofrimentos por nós suportados (De Pass. s. 6). E S. Tomás ajunta que, por meio da Paixão de Jesus, chegamos ao conhecimento da grandeza do amor que Deus dedica ao homem. E já antes dele disse S. João: Nisto conhecemos a caridade de Deus, que ele entregou sua alma por nós (1Jo 3,16). Ó meu Jesus, ó cordeiro imaculado, por mim sacrificado na cruz, que não seja baldado o que padecestes por mim, antes fazei que me aproveite de tantos sofrimentos vossos. Prendei-me inteiramente com os doces laços de vosso amor, para que não vos abandone nem me separe mais de vós.

6. Refere S. Lucas que, conversando Moisés e Elias no monte Tabor sobre a Paixão de Jesus Cristo, denominaram-se um excesso: “E falaram de seu excesso, que realizaria em Jerusalém” (Lc 9,31). Com razão, diz S. Boaventura, a Paixão de Jesus foi chamada em excesso, visto ter sido um excesso de dor e um excesso de amor. Um autor piedoso acrescenta: Que mais podia padecer que não sofresse? O sumo excesso de amor atingiu seu zênite (Constens. 1. 10, d. 4). E não é verdade? A lei divina não impõe outra obrigação aos homens a não ser amar a seu próximo como a si mesmo. Jesus, porém, amou os homens mais do que a si mesmo, é expressão de S. Cirilo. Por isso, vos direi com S. Agostinho: Vós, meu amado Redentor, chegastes a amar-me mais do que a vós mesmo, já que para me salvar quisestes sacrificar vossa vida divina, vida infinitamente mais preciosa que as vidas de todos os homens e de todos os anjos juntos.

7. Ó Deus infinito exclama o Abade Guerrico, vós, por amor do homem (se for lícito dizê-lo), vos tornastes pródigo de vós mesmo. E como não? pergunta, se não só quisestes dar os vossos bens, mas até vós mesmo para reaver o homem? Ó prodígio, ó excesso de amor, digno só de um infinito amor! Quem poderá, mesmo de longe, diz S. Tomás de Vilanova, compreender a imensidade de vosso amor em vos amar tanto a nós, míseros vermes, chegando a morrer e a morrer na cruz por nós? Sim, semelhante amor excede toda medida, toda inteligência (In Nat. Dom. c. 3).

8. É coisa agradável ver-se alguém estimado por uma alta personagem, tanto mais se esta estiver disposta a felicitá-lo com uma grande fortuna. Oh! quanto mais agradável e estimável nos deverá ser o ver-nos amados por Deus, que nos pode transmitir uma fortuna eterna? Na antiga lei o homem podia duvidar se Deus o amava com ternura. Depois, porém, de vê-lo sobre um patíbulo derramar seu sangue e morrer, como poderíamos ainda duvidar que ele nos ama com toda a ternura possível? Minha alma, contempla o teu Jesus, como ele está pendente na cruz, todo chagado: eis como ele te demonstra bem claramente por suas chagas o amor de que está repleto seu coração. “O segredo do coração se revela pelas chagas do corpo”, diz S. Bernardo. Meu caro Jesus, aflige-me ver-vos morrer sob a pressão de tantas dores nesse madeiro de opróbrio, mas tudo me consola e me inflama em amor por vós, conhecendo por meio dessas chagas o amor que me tendes. Serafins do céu, que pensais da caridade de meu Deus, que me amou e se entregou a si mesmo por mim?

9. Afirma S. Paulo que os pagãos, ouvindo pregar que Jesus foi crucificado por amor dos homens, tinham isso em conta de uma loucura inacreditável: Nós, porém, pregamos a Cristo crucificado, que é para os judeus um escândalo e para os pagãos uma loucura (1Cor 1,23). Como é possível, diziam, crer que um Deus onipotente, que não precisa de ninguém para ser sumamente feliz, tenha querido fazer-se homem para salvar os homens e morrer numa cruz? Seria o mesmo que crer que um Deus se tornou louco de amor pelos homens. E, assim pensando, recusavam aceitar a fé! Esta grande obra da redenção, que os pagãos julgavam e chamavam uma loucura, sabemos nós que Jesus a empreendeu e realizou. Vimos a sabedoria eterna, diz S. Lourenço Justiniano, o Unigênito de Deus tornado como louco, por assim dizer, pelo amor excessivo que tinha aos homens. Sim, porque não deixa de ser uma loucura de amor, ajunta o cardeal Hugo, querer um Deus morrer pelo homem (In 1Cor 1).

10. O beato Jacopone, que no século fora um literato, feito franciscano, parecia haver-se tornado louco de amor por Jesus Cristo. Apareceu-lhe uma vez Jesus e disse-lhe: “Jacopone, por que fazes essas loucuras?” “Por que as faço? Porque vós mas haveis ensinado. Se eu sou louco, vós ainda sois mais, havendo querido morrer por mim”. Também S. Maria Madalena de Pazzi, arrebatada em êxtases, exclamava: “Ó Deus de amor! Ó Deus de amor! É demais o amor que tendes às criaturas, ó meu Jesus” (Vita c. 11). Uma vez, toda fora de si, em êxtases, tomou um crucifixo e se pôs a correr pelo convento, gritando: “ó amor, ó amor; não cessarei jamais de chamar-vos amor, ó meu Deus”. E, voltando-se para as Religiosas, disse: “Não sabeis, caras Irmãs, que o meu Jesus é só amor e até ouso dizer e sempre o direito, louco de amor?” Dizia que, quando chamava Jesus amor, desejaria ser ouvida do mundo inteiro, a fim de que fosse conhecido e amado por todos o amor de Jesus. De quanto em vez se punha a tocar o sino para que todos os povos da terra, como desejava, se possível fosse, viessem amar a seu Jesus.

11. Permiti-me dizê-lo, ó meu doce Redentor, muita razão não tinha em vossa esposa de chamar-vos louco de amor. E não parece uma loucura o terdes querido morrer por mim, um verme ingrato, como sou, de quem já prevíeis as ofensas e as traições que vos deveria fazer? Mas se vós, ó meu Deus, quase enlouquecestes por amor de mim, como é que eu não chego a enlouquecer por amor de um Deus? Depois de vos haver visto morto por mim, como poderei pensar em outro, além de vós? como poderei amar outra coisa além de vós? Oh! sim, meu Senhor, meu sumo bem, mais amável que todos os outros bens, eu vos amo mais do que a mim mesmo. Prometo-vos não amar de hoje em diante outro bem fora de vós e pensar sempre no amor que me haveis demonstrado, morrendo nomeio de tantos tormentos por mim.

12. Ó flagelos, ó espinhos, ó cravos, ó cruz, ó chagas, ó tormentos, ó morte de meu Jesus, vós muito me forçais e obrigais a amar a quem tanto me amou. Ó Verbo encarnado, ó Deus amoroso, minha alma se abrasa em amor por vós. Desejaria amar-vos tanto que não tivesse outro prazer que dar-vos prazer, ó dulcíssimo Senhor meu, e visto que tanto desejais o meu amor, eu protesto que não quero mais viver senão para vós, e fazer tudo o que quereis de mim. Ó meu Jesus, ajudai-me, fazei que eu vos agrade inteiramente e sempre, no tempo e na eternidade. Maria, minha Mãe, rogai a Jesus por mim, para que me conceda o seu amor, já que outra coisa não desejo nesta e na outra vida que amar a Jesus. Amém.