CAPÍTULO VII
Jesus é apresentado aos pontífices e por eles condenado à morte
“Eles, apoderando-se de Jesus, o conduziram a Caifás, príncipe dos sacerdotes, onde os escribas e anciãos se haviam congregado” (Mt 26,57). Amarrado como um malfeitor, entra em Jerusalém nosso Salvador, onde poucos dias antes entrara aclamado com tantas honras e louvores. Atravessa ele de noite a estrada, entre lanternas e tochas, e tão grande era o rumor e o tumulto, que fazia crer que se conduzia preso algum famoso malfeitor. Chegam-se pessoas à janela e perguntam quem é o prisioneiro. E a resposta é: Jesus Nazareno, que se descobriu ser um sedutor, um impostor e falso profeta, merecedor da morte. Quais foram então os sentimentos de desprezo e desdém de todo o povo, vendo Jesus Cristo, que ele acolhera como o Messias, aprisionando por ordem dos juízes como impostor. OH! como se transformou em ódio a veneração de cada um que se arrependia de o haver homenageado, envergonhando-se de ter tomado pelo Messias a um malfeitor.
Eis como o Redentor é apresentado quase em triunfo a Caifás, que sem dormir o espera, e, vendo-o na sua presença, só e abandonado de todos os seus, sumamente se alegra. Contempla, minha alma, teu doce Salvador, como se mostra todo humilde e manso diante daquele soberbo pontífice, estando amarrado como um criminoso e com os olhos baixos. Contempla aquela bela face, que no meio de tantos desprezos e injúrias não perdeu sua natural serenidade e doçura. Ah, meu Jesus, agora que vos vejo cercado, não de anjos que vos louvam, mas dessa plebe vil que vos odeia e despreza, que farei? continuarei talvez a desprezar-vos como foi no passado? Ah, não. Na vida que me resta quero estimar-vos e amar-vos como mereceis e vos prometo não amar ninguém fora de vós. Vós sereis meu único amor, meu bem, meu tudo. Meu Deus e meu tudo.
O ímpio pontífice interroga Jesus sobre seus discípulos e sobre sua doutrina, para descobrir um motivo para condená-lo. Jesus humildemente lhe responde: “Eu lhe falei publicamente ao mundo... Pergunta àqueles que ouviram o que eu lhes disse: Ei-los aí, eles sabem o que eu ensinei” (Jo 18,20-21). Eu não falei em segredo, falei em público: os que estão ao redor de mim podem atestar o que eu disse: Aduz por testemunhas seus próprios inimigos. Mas, depois de uma resposta tão acertada e tão mansa, se precipita do meio daquela chusma um algoz mais insolente, que, tratando-o de temerário, lhe dá uma forte bofetada, dizendo: “É assim que respondes ao pontífice?” (Jo 18,22). Ó Deus, então uma resposta tão humilde e modesta merecia uma afronta tão grande? O indigno pontífice o vê, mas em vez de repreender aquele carrasco, cala-se e com seu silêncio bem aprova o que ele fizera. Jesus, diante de tal injúria, para isentar-se da culpa de falta de respeito ao pontífice, diz: “Se falei mal, dá testemunho do mal, mas se falei bem, por que me bates?” (Jo 18,23). Ah, meu amável Redentor, vós sofreis tudo para pagar as afrontas que eu fiz à divina majestade com os meus pecados. Ah, perdoai-me, pelo merecimento desses mesmos ultrajes que por mim sofrestes. “Procuravam um falso testemunho contra Jesus, para o condenarem à morte: mas não achavam” (Mt 26,59). Buscam um testemunho para condenar a Jesus e, não o encontrando, o pontífice busca novamente nas palavras de nosso Salvador um motivo para declará-lo réu e por isso diz-lhe: “Eu te conjuro por Deus vivo que nos digas se tu és o Cristo, Filho de Deus” (Mt 26,63). O Senhor, vendo-se instado em nome de Deus, confessa a verdade e responde: “Eu o sou, e vereis o Filho do homem sentado à destra do poder de Deus e vindo sobre as nuvens do céu” (Mc 14,62). Eu o sou, e um dia me vereis, não assim desprezível como agora vos pareço, mas num trono de majestade, sentado como juiz de todos os homens, sobre as nuvens do céu. Ao ouvir isso, o pontífice, em vez de lançar-se com o rosto em terra para adorar seu Deus e seu juiz, rasga suas vestes e exclama: “Blasfemou, que necessidade temos ainda de testemunhas? eis aí acabais de ouvir a blasfêmia! Que vos parece?” (Mt 26,65-66). Responderam todos os sacerdotes que sem dúvida alguma era digno de morte: “E eles em resposta disseram: É réu de morte” (Mt 26,66). Ah, meu Jesus, a mesma sentença proferiu vosso eterno Pai, quando vos oferecestes para pagar por nossos pecados: desde que meu Filho quer satisfazer pelos homens, é réu de morte e deve morrer.
Então lhe cuspiram no rosto e lhe deram bofetadas, outros lhe descarregara as mãos na face, dizendo: Adivinha-nos, ó Cristo, quem foi que te bateu?” (Mt 26,67-68). Puseram-se todos a maltratá-lo como a um malfeitor já condenado à morte e digno de todos os vitupérios: este lhe escarra no rosto, aquele lhe dá punhadas, mais um outro lhe dá bofetadas e, cobrindo-lhe o rosto com um pano, como acrescenta S. Marcos (13,65), o escarnecem como falso profeta e dizem-lhe: Pois que és profeta, adivinha lá quem agora te bate. S. Jerônimo escreve que foram tantos os ludíbrios e as irrisões a que sujeitaram o Senhor naquela noite, que somente no dia de juízo serão todos eles conhecidos.
Portanto, ó meu Jesus, não repousastes naquela noite, mas fostes o objeto da mofa e meus traços daquela gentalha. Ó homens, como podeis contemplar um Deus tão humilhado e ser soberbos? como podeis ver vosso Redentor padecer tanto por vós e não amá-lo? Ó Deus, como é possível que aquele que crê e considera as dores e ignomínias (mesmo só as narradas nos santos evangelhos) sofridas por Jesus por nosso amor, possa viver sem se abrasar em amor por um Deus tão benigno e tão amoroso para conosco?
Aumenta a dor de Jesus o pecado de Pedro, que o renega e jura não haver conhecido. Vai, minha alma, vai àquele cárcere em busca de teu Senhor, tão aflito, escarnecido e abandonado e agradece-lhe e consola-o com teu arrependimento, já que tu durante tanto tempo também o desprezastes e renegaste. Dize-lhe que desejarias morrer de dor, pensando que no passado tanto amarguraste o seu doce coração, que tanto te amou. Dize-lhe que agora o amas e nada mais desejas senão sofrer e morrer por seu amor. Ah, meu Jesus, recordai-me dos desgostos que vos dei e olhai-me com um olhar amoroso como olhastes para Pedro, depois de vos haver renegado; o que fez que ele nunca mais deixasse de chorar o seu pecado até ao fim de sua vida.
Ó grande Filho de Deus, ó amor infinito, que padeceis por aqueles mesmos homens que vos odeiam e maltratam. Vós sois a glória do paraíso, muita honra teríeis feito aos homens se os admitísseis somente a beijar-vos os pés. Mas, ó Deus, quem vos arrastou a essa determinação tão ignominiosa de vos tornar o joguete da gente mais vil do mundo? Dizei-me, ó meu Jesus, que posso eu fazer para compensar-vos a honra que esses vos roubam com seus opróbrios? Sinto que me respondeis: Suporta os desprezos por amor de mim, como eu os suportei por ti. Sim, meu Redentor, quero obedecer-vos. Meu Jesus, desprezado por amor de mim, eu só quero e desejo ser desprezado por amor de vós, quanto vos aprouver.