CAPÍTULO VI
Jesus é preso e amarrado
“Levantai-vos, vamos: eis que já está perto quem me há de trair” (Mc 14,42). Sabendo o Redentor que Judas juntamente com os judeus e soldados que o vinham prender já estavam perto, levanta-se ainda banhado no suor da morte, e com o rosto pálido mas com o coração tão inflamado em amor, vai ao seu encontro para entregar-se em suas mãos, e, vendo-os reunidos, pergunta-lhes: “A quem buscais?” Imagina, minha alma, que Jesus te pergunta do mesmo modo: Dize-me, a quem buscas? Ah, meu Senhor, a quem eu procuro senão a vós, que viestes do céu à terra em busca de mim, para que me não perdesse?
“Prenderam a Jesus e o ligaram” (Jo 18,13). Ó céus, um Deus amarrado! Que diríamos, se víssemos um rei preso e acorrentado por seus criados! E que devemos dizer então, vendo um Deus entregue às mãos da gentalha? Ó cordas felizes, vós que ligastes o meu Redentor, prendei-me também a ele, mas prendei-me de tal modo que eu não possa separar-me mais de seu amor; prendei o meu coração à sua vontade santíssima, para que de agora em diante não queira nada mais senão o que ele quer.
Contempla, minha alma, como uns lhe põe as mãos, outros o ligam, estes o injuriam, aqueles o batem, e o Cordeiro inocente se deixa atar e esbofetear à vontade deles. Não procura fugir de suas mãos, não pede auxílio, não se queixa de tantas injúrias, não pergunta por que o maltratam assim. Eis realizada a profecia de Isaías: “Foi oferecido porque ele o quis e não abriu sua boca, como uma ovelha será conduzido ao matadouro” (Is 53,7). Não fala e não se lamenta, porque ele mesmo já se oferecera à justiça para satisfazer e morrer por nós e assim deixou-se conduzir à morte qual ovelha, sem abrir a boca.
Olha como, preso e circundado por aquele populacho, é arrastado do horto e conduzido às pressas aos pontífices na cidade. E onde estão seus discípulos? que fazem? Se, não podendo livrá-lo das mãos de seus inimigos, ao menos o acompanhassem para defender sua inocência diante dos juízes, ou então para consolá-lo com sua presença! Mas não. O evangelho diz: “Então seus discípulos, abandonando-o, fugiram todos” (Mc 14,50). Que dor não sentiu então Jesus, vendo-se abandonado e deixado até por aqueles que lhe eram caros! Jesus viu então todas as almas que, mais favorecidas por ele, deveriam depois abandoná-lo e voltar-se ingratamente as costas. Ah, meu Senhor, minha alma foi uma dessas infelizes que, depois de tantas graças, luzes e convites recebidos de vós, esqueceram-se ingratamente de vós e vos abandonaram. Recebei-me, por piedade, agora que arrependido e contrito a vós me volto para não vos deixar mais, ó tesouro, ó vida, ó amor de minha alma.
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