CAPÍTULO III
Última ceia de Jesus Cristo com seus discípulos
“Sabendo Jesus que era chegada a sua hora para passar deste mundo ao Pai, tendo amado os seus amou-os até ao fim” (Jo 13,1). Sabendo Jesus que estava perto de sua morte, devendo abandonar este mundo, tendo até então amado demais os homens, quis então dar-lhes as últimas e maiores provas de seu amor. Sentado à mesa e todo inflamado em caridade, volta-se para seus discípulos e diz-lhes: “Desejei ardentemente comer esta páscoa convosco” (Lc 22,15). Meus discípulos (e o mesmo dizia a cada um de nós), sabei que não desejei outra coisa durante minha vida inteira senão comer convosco esta última ceia, pois após ela terei de sacrificar minha vida por vossa salvação.
Desejais então tanto, ó meu Jesus, dar a vida por nós, vossas miseráveis criaturas? Ah, esse vosso desejo inflama os nossos corações a desejar padecer e morrer por vosso amor, desde que por nosso amor quisestes sofrer tanto e morrer. Ó amado Redentor, fazei-nos compreender o que quereis de nós, que só desejamos comprazer-vos em tudo. Suspiramos por dar-vos prazer, para ao menos em parte corresponder ao grande amor que nos tendes. Aumentai sempre em nós esta bela chama, que nos faça esquecer o mundo e nós mesmos, para que doravante não pensemos senão em contentar o vosso amoroso coração. Põe-se à mesa o cordeiro pascal, figura de nosso Salvador. Assim como o cordeiro era comido todo naquela ceia, assim também no dia seguinte o mundo iria ver sobre o altar da cruz, devorado pelas dores, o cordeiro Jesus Cristo.
“Tendo-se um discípulo reclinado sobre o peito de Jesus” (Jo 13,25). Ó feliz S. João, percebestes então a ternura que alimenta no seu coração este amante Redentor para com as almas que o amam. Ah, meu doce Senhor, quantas vezes me favorecestes com tal graça, sim, também eu conheci a ternura do amor que me tendes, quando me consolastes com inspirações celestes e doçuras espirituais e apesar de tudo isso não me conservei fiel a vós. Ah, não me deixes mais viver assim tão ingrato para convosco. Eu quero ser todo vosso, aceitai- me e socorrei-me.
“Levantou-se da mesa, depôs suas vestes e tomando uma toalha cingiu-se com ela. Em seguida deitou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a tolha com que estava cingido” (Jo 13,4-5). Minha alma, contempla o teu Jesus, como se levante da mesa e pratica esse ato de humildade. O rei do universo, pois, o Unigênito de Deus se rebaixa a lavar os pés de suas criaturas. Ó Anjos, que dizeis? Seria já um grande favor se Jesus lhes permitisse lavar com suas lágrimas seus pés divinos, como o fez com a Madalena. Mas não, ele quis lançar-se aos pés de seus servos para deixar-nos no fim de sua vida este grande exemplo de humildade e sinal do grande amor que consagrava aos homens. E nós, Senhor, continuaremos a ser sempre tão soberbos que não podemos suportar uma palavra de desprezo, uma pequenina desatenção sem nos ressentirmos subitamente, sem que vos venha o pensamento de vingança, quando pelos nossos pecados merecíamos ser calcados pelo demônio no inferno. Ah, meu Jesus, o vosso exemplo nos tornou mui amáveis as humilhações e os desprezos. Eu vos prometo de hoje em diante querer sofrer por vosso amor qualquer injúria ou afronta que me for dirigida.
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