domingo, 12 de março de 2023

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo - Sto. Afonso Maria de Ligorio

OPÚSCULO II

SETAS DE FOGO OU PROVAS QUE JESUS CRISTO NOS DEU DE SEU AMOR NA OBRA DA REDENÇÃO

Quem considera o amor imenso que Jesus Cristo nos demons trou na sua vida e particularmente na sua morte, sofrendo tantos tormentos por nossa salvação, não poderá deixar de sentir-se ferido e obrigado a amar um Deus tão apaixonado por nossas almas. S. Boaventura diz que as chagas de nosso Redentor comovem os corações mais duros e inflamam em amor as almas mais frias. Consideremos por isso, nesta breve resenha do amor de Jesus Cristo, segundo o testemunho das sagradas escrituras, o quanto fez nosso amoroso Redentor para dar-nos a entender o amor que nos tem e obrigar-nos a amá-lo.

1. “Amou-nos e entregou-se a si mesmo por nós” (Ef 5,2). Tinha Deus feito tantos favores aos homens para ganhar-lhes o amor, mas os ingratos não somente não o amavam, mas nem mesmo queriam conhecê-lo por seu Senhor. Apenas num recanto da Judéia era ele reconhecido como Deus pelo povo eleito: este, porém, mais o temia do que o amava. Ora, querendo ele ser mais amado do que temido por nós, fez-se homem e escolheu uma vida pobre, atribulada e obscura e uma morte penosa e ignominiosa. E por quê? Para atrair-nos os corações. Se Jesus Cristo não nos tivesse remido, não seria menos feliz e poderoso do que sempre o foi: quis, porém, procurar-nos a salvação com tantos suores e penas como se a sua felicidade dependesse da nossa. Poderia remir-nos sem sofrer, mas quis livrar-nos da morte eterna com sua própria morte, e podendo salvar-nos de mil modos, quis escolher a maneira mais humilde e penosa, morrendo na cruz de pura dor, para conquistar o afeto de nós, vermes ingratos. Pois não foi o amor que nos tem a única causa de seu nascimento tão atribulado e de uma morte tão desolada? Ah, meu Jesus, que o amor que nos fez morrer por mim no Calvário me faça morrer a todos os afetos mundanos e me consuma naquele santo fogo que viestes acender na terra. Maldigo mil vezes os indignos prazeres que vos custaram tantas dores. Arrependo-me, meu caro Redentor, de toda a minha alma, de todas as ofensas que vos fiz. Para o futuro prefiro morrer a dar-vos desgosto e quero fazer quanto puder para agradar-vos. Vós em nada vos poupastes por meu amor e eu também em nada quero poupar-me por vosso amor. Vós me amastes sem reserva e eu quero amar-vos também sem reserva. Amo-vos, meu único bem, meu amor, meu tudo.

2. “Assim Deus amou o mundo que lhe deu seu Filho unigênito” (Jo 3,16). Oh! quanto significa essa partícula — assim! Significa que nós não podemos compreender o impulso do amor que levou Deus a enviar seu Filho a morrer para salvar o homem que estava perdido. E quem poderia fazer-nos esse dom de valor infinito, senão um Deus de amor infinito? Agradeço-vos, ó Padre eterno, o haverdes me dado vosso Filho por meu Redentor. E agradeço-vos, ó grande Filho de Deus, o me haverdes remido com tantas penas e tão grande amor. Que seria de mim, depois de tantas injúrias, que vos fiz, se vós não tivésseis morrido por mim, ó meu Jesus? Ah, tivesse eu morrido antes de vos ofender, meu Salvador. Eu vos suplico que me façais participar do horror que durante vossa vida tivestes dos meus pecados e perdoai-me. Não me basta, porém, o perdão: vós mereceis muito ser amado, vós me amastes até à morte e eu também quero amar-vos até à morte. Amo-vos, bondade infinita, de toda a minha alma, amo-vos mais do que a mim mesmo e quero que sejais o único objeto de todos os meus afetos. Ajudai-me, pois; não permitais que eu continue a viver tão ingrato como tenho sido até agora. Dizei-me o que queres de mim, que eu com vossa graça quero fazer tudo, tudo. Sim, meu Jesus, eu vos amo e quero amar-vos sempre, meu tesouro, minha vida, meu amor, meu tudo.

3. “Nem com o sangue dos bodes ou de novilhos, mas com o próprio sangue entrou no santuário uma vez, obtendo uma redenção eterna” (Hb 9,12). E de fato o que poderia valer o sangue de todos os novilhos e mesmo de todos os homens para nos alcançar a graça divina? só o sangue deste homem Deus podia merecer-nos o perdão e a salvação eterna. Mas se o próprio Deus não tivesse inventado este modo de remir-nos, isto é, morrendo por nossa salvação, quem jamais poderia pensar nisso? Só o amor o sonhou e o executou. Tinha, pois, razão Jó quando perguntava a este Deus tão amante dos homens: “Que é o homem, para que assim o exaltes? e por que pões sobre ele o teu coração?” (Jó 7,17). Ah, meu Jesus, é pouco um coração para amar-vos, ainda que vos amasse com o coração de todos os homens, seria ainda pouco. Que ingratidão, pois, seria a minha se eu dividisse meu coração entre vós e as criaturas? Não, meu amor, vós o quereis todo e o mereceis todo, quero dar-vo-lo todo. E se não sei dar-vo-lo como é meu dever, tomai-o vós e fazei que eu possa dizer-vos com verdade: Deus de meu coração. Ah, meu Redentor, pelos merecimentos da vida desprezada e atribulada que quisestes levar para me ensinar a verdadeira humildade, fazei-me amar os desprezos e a vida oculta. Fazei que eu abrace com amor as enfermidades, as afrontas, as perseguições, as penas internas e todas as cruzes que me vierem de vossas mãos. Fazei que eu vos ame e depois disponde de mim como vos aprouver. Ó coração amante de Jesus, prendei-me a vós, fazendo-me conhecer o imenso bem que vós sois. Fazei-me todo vosso antes de morrer. Amo-vos meu Jesus, que tanto mereceis ser amado e tanto desejais o meu amor: amo-vos com todo o meu coração, amo-vos com toda a minha alma.

4. “Apareceu a benignidade e a humanidade de nosso Deus Salvador” (Tt, 3,4). Deus amou o homem desde toda a eternidade: “Amei- te com um amor eterno” (Jr 31,3). Mas, segundo S. Bernardo, antes da encarnação do Verbo manifestava-se o poder divino na criação do mundo e a sabedoria de Deus em governá-lo; quando, porém, se fez homem o Filho de Deus, manifestou-se então claramente o amor que Deus tinha aos homens. Realmente, depois que vimos Jesus Cristo levar uma vida tão atribulada e uma morte tão penosa, far-lhe-íamos uma injúria se duvidássemos do afeto que ele tem por nós. Sim, muito ele nos amou porque nos ama quer ser amado por nós. Morreu por nós para que nós vivamos para ele. “Por todos morreu o Cristo, para que os que vivem já não vivam para si, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou” (2Cor 5,15). Ah, meu Salvador, quando será que eu começarei a reconhecer o amor que me tendes? No passado, em vez de vos amar, paguei-vos com injúrias e desprezos. Mas, visto que sois a bondade infinita, não quero desesperar. Vós prometestes perdoar os que se arrependem; por piedade, cumpri o que prometestes. Eu vos desonrei, pospondo-vos às minhas satisfações; uma agora eu me arrependo de toda a minha alma e nada me aflige tanto como o recordar-me de vos haver ofendido a vós, meu soberano bem. Perdoai-me e uni-me inteiramente a vós com laços de um amor eterno, para que eu não vos deixe mais e viva somente para vos amar e obedecer. Sim, meu Jesus, só para vós quero viver, só a vós quero amar. Tempo houve em que eu vos abandonei pelas criaturas; mas agora abandono tudo e todo a vós me dou. Amo-vos, ó Deus de minha alma, amo-vos mais do que a mim mesmo. Ó Mãe de Deus, Maria, impetrai-me a graça de ser fiel a Deus até à morte.

5. “A caridade de Deus para conosco mostrou-se em que Deus enviou seu Filho unigênito ao mundo para que vivamos por ele” (Jo 4,9). Pelo pecado, todos os homens estavam mortos e teriam permanecido mortos se o eterno Pai não tivesse enviado seu Filho a restituir-lhes a vida por meio de sua morte. Mas como? um Deus morrer pelo homem! Um Deus! E que é esse homem? “Quem sou eu? pergunta S. Boaventura. Por que, Senhor, por que me amastes tanto assim?” Mas é aqui que resplandece o amor infinito desse Deus. A Igreja canta no Sábado Santo: “Ó admirável condescendência de vosso amor para conosco. Ó inestimável predileção de vossa caridade: para remirdes o servo, entregastes o Filho!” Vós, pois, meu Deus, assim procedestes para que vivêssemos por Jesus Cristo. Sim, é muito justo que vivamos por aquele que por nós deu todo o seu sangue e a sua vida. Meu caro Redentor, à vista de vossas chagas e da cruz em que vos vejo morto por mim, eu vos consagro minha vida e toda a minha vontade. Ah, tornai-me todo vosso, de maneira que de hoje em diante não bosque e não suspire senão por vós. Amo-vos, bondade infinita, amo-vos, amor infinito, fazei que eu viva dizendo sempre: meu Deus, eu vos amo, eu vos amo e fazei que sejam também estas minhas últimas palavras na morte: meu Deus, eu vos amo, eu vos amo.

6. “Pelas entranhas de misericórdia de nosso Deus, como que o sol nascente nos visitou do alto” (Lc 1,78). Eis que vem à terra o Filho de Deus e remir-nos e e vem unicamente movido pelas entranhas de sua misericórdia. Mas, Senhor, se tendes compaixão do homem que se perdeu, não será suficiente enviar um anjo para remi-lo? Não, responde o Verbo eterno, quero fazê-lo pessoalmente, para que o homem compreenda quanto eu o amo. Escreve S. Agostinho: “O motivo principal por que Cristo veio foi para que o homem conhecesse quanto Deus o ama”. Mas, ó meu Jesus, já que viestes para vos fazer amar, quantos são os homens que vos amam verdadeiramente? Ah, pobre de mim. Vós sabeis como vos amei no passado, sabeis com que desprezo tratei o vosso amor. Ah, se eu pudesse morrer de dor. Arrependo-me, meu caro Redentor, de ter-vos assim desprezado. Ah, perdoai-me e junto com o perdão dai-me a graça de vos amar. Não permitais que eu viva ainda esquecido do amor que me tendes. Agora eu vos amo, mas vos amo pouco; vós mereceis um amor infinito. Fazei que eu ao menos vos ame com todas as minhas forças. Ah, meu Salvador, minha alegria, minha vida, meu tudo, e que mais quero eu senão vos amar a vós, bem infinito? Eu consagro todos os meus desejos à vossa vontade e, à vista dos padecimentos que quisestes sofrer por mim, ofereço-me a sofrer tudo o que vos aprouver. Afastai de mim todas as ocasiões de vos ofender. “Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal”. Livrai-me do pecado e depois disponde de mim como vos aprouver. Eu vos amo, bondade infinita, e estou pronto a sofrer todas as penas, mesmo a de ser aniquilado, a viver sem vos amar.

7. “E o Verbo se fez carne” (Jo 1,14). Deus envia o Arcanjo Gabriel a requerer o consentimento de Maria se quer aceitá-lo por filho. Maria dá o seu consentimento e o Verbo divino se faz homem. Ó prodígio que assombra o céu e a natureza: o Verbo feito carne, um Deus feito homem. Que diríamos se víssemos um rei feito verme para salvar com sua morte a vida de um vermezinho da terra? ora, vós, meu Jesus, sois o meu Deus e, não podendo morrer como Deus, vos fizestes homem para poderdes morrer e dar a vida por mim. Meu doce Redentor, como é possível que eu não morra de dor à vista de tantas misericórdias que usastes comigo e de tão grande amor que me haveis demonstrado? Vós descestes do céu para procurar-me, ovelha perdida, e eu tantas vezes vos tenho repelido, preferindo as minhas indignas satisfações. Visto porém, que vós me quereis, eu abandono tudo, quero ser vosso e não quero outra coisa além de vós. Elejo-vos por único objeto de meus afetos: Meu dileto é meu eu sou dele. Vós pensais em mim e eu não quero pensar senão em vós. Fazei sempre que vos ame, e não deixe de vos amar. Porque eu vos amo, contento-me com ficar privado de todas as consolações sensíveis e sofrer todas as penas. Vejo que me quereis todo para vós e eu quero também ser todo vosso. Conheço que tudo o que existe no mundo é mentira, engano, fumaça, futilidade e vaidade. Vós sois o verdadeiro e único bem e por isso vós só me bastais. “Meu Deus, quero a vós somente e nada mais”. Senhor, ouvi-me, quero só a vós e nada mais.

8. “Aniquilou-se a si mesmo” (Fl 2,7). Eis o Unigênito de Deus onipotente, verdadeiro Deus como o Padre, nascido como uma pequena criança em uma gruta. “Ele se aniquilou a si mesmo, tomando a forma de servo e feito semelhante aos homens”. Quem quiser ver um Deus aniquilado, entre na gruta de Belém e aí encontrará como um menino ligado com faixas, sem se poder mover, chorando e tremendo de frio. Ah, santa fé, dizei-me de quem é filho este pobre menino? Ela responde: Ele é Filho de Deus e verdadeiro Deus. E quem o reduziu a esse mísero estado? Foi o amor que ele tem aos homens. E encontrar-se-ão homens que não amem este Deus? Vós, meu Jesus, consumistes vossa vida inteira entre as penas, para fazer-me compreender o amor que me tendes, e eu desperdicei a minha vida, desprezando-vos e desgostando-vos com os meus pecados. Ah, fazei-me conhecer o mal que eu vos fiz e o amor que mereceis. Mas, desde que me haveis suportado até agora, não permitais que eu ainda vos ofenda. Inflamai-me inteiramente de vosso santo amor e recordai-me sempre quanto padecestes por mim, para que eu de hoje em diante me esqueça de tudo e não pense noutra coisa senão em vos amar e dar-vos gosto. Vós viestes à terra para reinar em nossos corações: pois bem, tirai do meu coração tudo o que vos impeça de possuí-lo inteirinho. Fazei que a minha vontade seja toda conforme à vossa e a vossa seja a minha e que ela seja a regra de todas as minhas ações e meus desejos.

9. “Um menino nos foi dado e um filho nos nasceu” (Is 9,6). O fim que teve em vista o Filho de Deus, querendo nascer como uma criança, foi o de dar-se a nós desde sua infância e assim ganhar o nosso amor: Para que fim toma Jesus esta doce e amável condição de me- nino, pergunta S. Francisco de Sales, senão para excitar-nos e amá-lo e a confiar nele? E já S. Pedro Crisólogo o havia dito: “Quis nascer desta maneira, porque quis ser amado”. Meu caro menino, e meu Salvador, eu vos amo e em vós confio. Vós sois minha esperança e todo o meu amor. E que seria de mim, se não viésseis do céu para me salvar? O inferno seria minha partilha pelas ofensas que vos fiz. Seja bendita a vossa misericórdia, pois estais sempre pronto a perdoar-me se eu me arrepender de meus pecados. Sim, eu me arrependo de todo o meu coração, ó meu Jesus, de vos haver desprezado. Recebei-me na vossa graça e fazei que eu morra a mim mesmo para viver só para vós, meu único bem. Queimai, ó fogo consumidor, em mim, tudo o que desagrada aos vossos olhos e atraí para vós todos os meus afetos. eu vos amo, ó Deus de minha alma, eu vos amo, meu tesouro, minha vida, meu tudo. Eu vos amo e quero expirar dizendo: Meu Deus, eu vos amo, para começar então a amar-vos com amor perfeito que não terá mais fim.

10. Os santos profetas suspiraram durante tantos anos pela vinda de nosso Salvador: “Destilai, ó céus, o vosso orvalho e as nuvens chovam o justo” (Is 45,8). “Enviai o cordeiro que há de dominar a terra” (Is 16,1). “Dai-nos o vosso Salvador” (Sl 84,6). O profeta Isaías dizia: “Oxalá romperas tu os céus e desceras de lá, os montes se derreteriam diante de tua face.... e as águas arderiam em fogo” (Is 64,1-2). Senhor, dizia, quando os homens vos virem descido à terra por seu amor, e derreterão os montes, isto é, os homens vencerão todas as dificuldades para servir-vos, que lhes pareciam ao princípio montes insuperáveis. As águas arderão em fogo, isto é, as almas mais frias, à vista de vós feito homem, se abrasarão no vosso santo amor. E isso se deu de fato com muitas almas felizes, coo S. Teresa, um S. Filipe Néri, um S. Francisco Xavier, que ainda nesta terra se abrasaram neste fogo. Ma quantas são elas? Em verdade, muito poucas. Ah, meu Jesus, eu quero ser do número dessas poucas. Eu de- veria já há tantos anos arder no inferno, separado de vós, odiando- vos maldizendo-vos para sempre. Mas vós me suportastes com tanta paciência, para ver-me abrasado, não neste fogo desgraçado, mas no bem-aventurado fogo de vosso amor. Para esse fim me destes tantas luzes e tantos toques do coração, enquanto eu estava longe de vós, enfim tanto fizestes que com vossos doces atrativos me obrigastes a amar-vos. Eis que eu já sou vosso. Eu quero ser sempre vosso e todo vosso. A vós pertence tornar-me fiel e eu o espero com segurança de vossa bondade. Ah, meu Deus, quem terá ainda ânimo de vos abandonar e de viver ainda que seja por um momento sem vosso amor? Eu vos amo, ó meu Jesus, sobre todas as coisas, mas isto é pouco. Amo-vos mais do que a mim mesmo e é ainda pouco. Amo-vos com todo o meu coração, com toda a minha alma e também isso é ainda pouco. Ó meu Jesus, ouvi-me, dai-me mais amor, mais amor. Ó Maria, rogai a Deus por mim.

11. “O desprezado e o último dos homens” (Is 53,3). Eis o que foi a vida do Filho de Deus feito homem: “o último dos homens”; foi trata- do como o mais vil e desprezível deles. E a que maior baixeza poderia reduzir-se a vida de Jesus Cristo do que nascer numa gruta? viver como artífice numa oficina, desconhecido e desprezado? ser preso como réu? flagelado como escravo? esbofeteado, tratado como rei de burla, escarrado na face? e finalmente morrer justiçado como malfeitor num patíbulo infame? S. Bernardo exclama: “O último e altíssimo”. Ó Deus, sois o senhor de todos e como vos contentais de ser o mais desprezado de todos? E eu, ó meu Jesus, vendo-vos assim humilhado por mim, como pretendo ser estimado e honrado de todos, pecador e soberbo? Ah, meu Redentor desprezado, fazei que pelo vosso exemplo eu ame os desprezos e a vida obscura. De agora em diante, espero com vosso auxílio abraçar todos os opróbrios que me forem feitos, por amor de vós que suportastes tantos por amor de mim. Perdoai-me o orgulho de minha vida passada e dai-me vosso amor. Eu vos amo, meu Jesus desprezado. Ide adiante com vossa cruz, que eu quero acompanhar-vos com a minha e não vos abandonar mais até morrer crucificado por vós, como vós morrestes crucificado por mim. Meu Jesus, meu Jesus desprezado, eu vos abraço e abraçado convosco quero viver e morrer.

12. “Varão das dores” (Is 53,3). Qual foi a vida de Jesus Cristo? vida de dores. Vida cheia de dores internas e externas, desde o começo até ao fim. Mas o que mais afligiu a Jesus Cristo em toda a sua vida foi a vista dos pecados e das ingratidões com que lhe haviam os homens de pagar as penas que ele com tão grande amor sofreu por nós: tal vista fez dele o homem mais aflito que jamais existiu nesta terra. Ó meu Jesus, também eu concorri para vos afligir com os meus pecados, durante toda a vossa vida. E por que não digo com S. Margarida de Cortona que, exortada por seu confessor a tranqüilizar-se e não chorar mais porque Deus já lhe havia perdoado os pecados, respondeu com mais copioso pranto: Ah, meu padre, e como poderei deixar de chorar, se os meus pecados afligiram meu Jesus durante toda a sua vida? Oh! pudesse eu morrer de dor, ó meu Jesus, todas as vezes que me recordo de vos haver causado tantas amarguras nos dias de minha vida! Ai de mim, quantas noites eu dormi privado da vossa graça. Quantas vezes me perdoastes e eu tornei a voltar-vos as costas? Meu caro Senhor, arrependo-me sobre todas as coisas de vos ter ofendido e vos amo de todo o meu coração, amo-vos com toda a minha alma. Ah, não permitais que eu ainda viva separado de vós. Meu dulcíssimo Jesus, não permitais que eu me separe de vós. Meu Jesus, ouvistes-me: não permitais que eu me separe de vós. Fazei que eu antes morra que trair-vos novamente. Ó Mãe da perseverança, Maria, impetrai-me a santa perseverança.

13. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo 13,1). O amor dos amigos cresce na ocasião da morte, pois que estão para separar-se das pessoas amadas e por isso procuram mais do que nunca testemunhar-lhes o seu afeto e demonstrar-lhes o amor que lhes consagram. Jesus durante sua vida inteira testemunhou-nos o seu afeto, mas nas vésperas de sua morte quer dar-nos as mais convincentes provas de seu amor. E que prova mais evidente nos poderia dar este amante Senhor, que dando-nos o seu sangue e a sua vida em prol de cada um de nós? e ainda não satisfeito com sacrificar-nos seu próprio corpo na cruz, no-lo quis deixar em alimento, a fim de que cada um, que o recebesse, se unisse inteiramente com ele e assim de sua parte crescesse no amor. Ó bondade infinita, ó amor infinito, ó meu amado Jesus, enchei meu coração de vosso santo amor, para que eu me esqueça do mundo e de mim mesmo, para não pensar senão em vos amar e agradar. Eu vos consagro o meu corpo, a minha alma, a minha vontade e a minha liberdade. No passado procurei minhas satisfações com desgosto vosso; arrependendo-me sumamente, meu amor crucificado, e de agora em diante não quero buscar outra coisa senão vós: Meu Deus e meu tudo. Quero só a vós e nada mais. Ah, se eu pudesse consumir-me todo por vós como vós vos consumistes todo por mim, meu único bem, meu único amor. Eu vos amo e me entrego inteiramente à vossa santa vontade. Fazei que eu vos ame e depois fazei de mim o que vos aprouver.

14. “Minha alma está triste até à morte” (Mt 26,38). Eis as palavras que saíram do coração magoado de Jesus Cristo no jardim de Getsêmani, antes de ele morrer. Mas onde nascia essa tristeza tão grande que bastava para dar-lhe a morte? Talvez na visão dos tormentos que devia sofrer? Não, porque esses tormentos já os viu desde a sua encarnação, viu-os e aceitou-os de livre e própria vontade: “Foi oferecido porque ele mesmo o quis” (Is 53,7). A sua tristeza foi motivada pela vista dos pecados que os homens iriam cometer depois de sua morte. E nessa hora viu todas as culpas particulares de cada um de nós, diz S. Bernardino de Sena. Não foi, ó meu Jesus, a vista dos açoites, dos espinhos e da cruz que tanto vos afligiu no jardim das Oliveiras; foi a vista de meus pecados, cada um dos quais vos oprimiu de tal modo o coração com dor e tristeza, que vos fez suar sangue e entrar em agonia. Eis aí a recompensa com que paguei o amor que me mostrastes morrendo por mim. Oh! fazei-me sentir parte dessa dor que sofrestes no horto pelas minhas culpas, para que essa dor me conserve na tristeza durante minha vida inteira. Ah, meu doce Redentor, pudesse eu consolar-vos tanto com minha dor e com o meu amor quanto eu vos afligi. Arrependo-me, meu amor, de todo o meu coração, de vos haver posposto a todas as minhas miseráveis satisfações. Arrependo-me e vos amo sobre todas as coisas. Percebo que vós, apesar de ofendido por mim, ainda me pedis o meu amor e quereis que eu vos ame de todo o coração. “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração e de toda a tua alma” (Mt 22,37). Sim, meu Deus, eu vos amo de todo o coração, eu vos amo com toda a minha alma, dai-me o amor que desejais de mim. Se pelo passado busquei a mim mesmo, agora não quero buscar senão a vós. E vendo que me amastes mais do que aos outros, quero também amar-vos mais do que os outros. Atraí-me sempre mais, ó meu Jesus, ao vosso amor com o odor de vossos perfumes, que são os amorosos atrativos de vossa graça. Dai-me, em suma, força para corresponder a um afeto tão grande de um Deus, demonstrado a um verme ingrato e traidor. Maria, Mãe de misericórdia, ajudai- me com as vossas súplicas.

15. “Aprisionaram a Jesus e o ligaram” (Jo 18,12). Um Deus preso e ligado. Que deveriam dizer os anjos, vendo seu Rei passar pelas ruas de Jerusalém com as mãos ligadas e ao meio de soldados! E que deveríamos dizer nós, vendo nosso Deus que se deixa, por nosso amor, prender como malfeitor, para ser apresentado aos juízes que o condenarão à morte? “Que tendes vós com as cadeias?” pergunta S. Bernardo. Que relação pode haver entre vós e as cadeias dos malfeitores, ó meu Jesus, majestade e bondade infinita? Elas nos pertencem a nós, pecadores e réus do inferno, não a vós, que sois inocente e santo dos santos. E S. Bernardo, contemplando Jesus declarado réu de morte, continua: Que fizestes, inocentíssimo Jesus, para que assim vos condenem? Ó meu caro Salvador, sois a inocência mesma; por que delito sereis condenado? Ah, eu vo-lo direi: o delito que cometestes foi o amor excessivo que consagrastes aos homens: O vosso pecado é o vosso amor. Beijo essas cordasque vos prendem, ó meu amado Jesus: elas me livram das cadeias que eu mereci. Mísero que sou, quantas vezes renunciei à vossa amizade e me fiz escravo de Lúcifer, desonrando-vos, ó majestade infinita. Arrependo-me sobre todas as coisas de vos haver injuriado assim tão gravemente. Ah, meu Deus, prendei aos vossos pés esta minha vontade com os dóceis laços de vosso amor, para que ela nada mais queira senão o que vos agrada. Fazei que eu tome o vosso querer pelo guia único de minha vida inteira. Fazei que eu não tenha outro cuidado senão o de vos agradar, pois que vos empenhastes tanto por meu bem. Eu vos amo, meu sumo bem, eu vos amo, único objeto de meus afetos. Reconheço que só vós me amastes em verdade e só a vós quero amar. Renuncio a tudo, vós só me bastais.

16. “Ele foi ferido por causa das nossas iniqüidades e quebrantado por causa dos nossos crimes” (Is 53,5). Bastaria uma só bofetada suportada por este Homem-Deus, para satisfazer pelos pecados de todo o mundo. Com isso, porém, não se contentou Jesus Cristo: ele quis ser ferido e quebrantado por nossas perversidades, isto é, ferido e dilacerado da cabeça aos pés, de modo que não ficou uma parte sã no seu corpo sacratíssimo. E assim o mesmo profeta o vi todo chagado como um leproso: “E nós o julgamos como um leproso e ferido por Deus e humilhado” (Is 53,4). Ó chagas do meu atormentado Jesus, vós sois os penhores do amor que este meu Redentor me consagra. Vós, com mui delicados convites, me obrigais a amá-lo por tantos tormentos que ele quis sofrer por meu amor. Ó meu querido Jesus, quando me entregarei todo a vós, que vos destes todo a mim? Eu vos amo, meu sumo bem. Amo-vos, ó Deus amante de minha alma. Ó Deus de amor, dai-me amor. Fazei que com o amor compense as amarguras que vos causei no passado. Fazei que eu arranque de meu coração tudo o que não tende ao vosso amor. compense as amarguras que vos causei no passa- do. Fazei que eu arranque de meu coração tudo o que não tende ao vosso amor. Pai eterno, olhai para a face de vosso Cristo, olhai para as chagas de vosso Filho, que vos imploram misericórdia para mim e, por elas, perdoai-me os ultrajes que vos fiz: apossai-vos por completo de meu coração, para que eu não ame, não busque, não suspire senão por vós. Digo-vos com S. Inácio: “Dai-me unicamente o vosso amor com a vossa graça e serei bastante rico”. Eis tudo o que vos peço, ó Deus de minha alma, dai-me o vosso amor juntamente com a vossa graça e nada mais desejo. Ó Mãe de Deus, Maria, intercedei por mim.

17. “Salve, rei dos judeus!” Assim saudavam por escárnio ao nosso Redentor os soldados romanos. Depois de o terem tratado como rei impostor e coroado de espinho, ajoelhavam-se diante dele, saudando-o como rei dos judeus e em seguida, levantando-se com gritos e risos, davam-lhe bofetadas e escarravam-lhe no rosto. É o que nos contam S. Mateus (27,29) e S. João (19,3). Ó Jesus meu, essa cruel coroa que vos cinge a cabeça, esse vil caniço que tendes na mão, essa veste de púrpura dilacerada que vos serve de ludíbrio, declaram suficientemente que sois rei, mas rei de amor. Os judeus não vos querem reconhecer por seu rei e dizem a Pilatos: “Não temos outro rei além de César” (Jo 19,15). Meu amado Redentor, se os outros não vos querem por seu rei, eu vos aceito e quero que sejais o único rei de minha alma. Consagro-me a vós por completo, disponde de mim como vos aprouver. Para conseguir isto, sofrestes tantos desprezos, dores e até a morte, para conquistar os nossos corações e neles reinar com vosso amor. “Por isso Cristo morreu... para dominar sobre os vivos e os mortos” (Rm 14,9). Apossai-vos, pois, de todo o meu coração, ó meu rei querido, e aí reinai e dominai para sempre. No passado, rejeitei-vos como meu senhor, para servir às minhas paixões; agora eu quero ser todo vosso e a vós só servir. Ah, prendei-me a vós com vosso amor e fazei-me lembrar sempre da morte cruel que por mim sofrestes. Ah, meu rei, meu Deus, meu amor, meu tudo, que mais desejo senão vós, Deus de meu coração e minha herança por toda a eternidade? Ó Deus de meu coração, eu vos amo, vós sois a minha herança, vós meu único bem.

18. “E levando a cruz às costas, saiu para aquele lugar que se chama Calvário” (Jo 19,17). Eis o Salvador do mundo já em caminho com a cruz às costas para morrer condenado por amor dos homens. O cordeiro divino, sem se queixar, deixa-se conduzir ao sacrifício da cruz pela nossa salvação. Levanta-te, minha alma, acompanha e segue o teu Jesus, que vai sofrer a morte por teu amor, para pagar por teus pecados. Dizei-me, ó meu Jesus e meu Deus, que pretendeis dos homens, dando vossa vida por amor deles? S. Bernardo responde: “Quando Deus ama, nada mais quer do que ser amado”. Quisestes, pois, ó meu Redentor, por esse preço conquistar o nosso amor. E haverá homens que creiam em vós e não vos amem? Consola-me o pensamento de que vós sois o amor de todos os santos, o amor de Maria, o amor de vosso Pai. Mas, ó meu Deus, quantos há que não querem vos conhecer e quantos que vos conhecem não querem vos amar. Ó amor infinito, fazei-vos conhecer e fazei-vos amar. Oh! pudesse eu com meu sangue e coma minha morte fazer-vos amar de todos. Mas, ai de mim que passei tantos anos no mundo e apesar de vos conhecer não vos amei. Vós, porém, com tanta delicadeza me atraístes para vosso amor. Infeliz do tempo em que perdi a vossa graça: a dor que agora sinto, o desejo que experimento de ser todo vosso e em especial a morte que sofrestes por mim dão-me uma firme confiança, ó meu amor, de que já me haveis perdoado e de que presentemente me amais. Ó meu Jesus, pudesse eu morrer por vós como morrestes por mim. Ainda que não houvesse castigo para quem não vos ama, não quereria deixar de amar-vos e fazer todo o possível para vos contentar. Vós, que me inspirastes este bom desejo, dai-me a força de o pôr em prática. Meu amor, minha esperança, não me abandoneis; fazei que eu corresponda na vida que me resta ao amor particular que me consagrais. Vós quereis que eu seja vosso e eu quero ser todo vosso. Eu vos amo, meu Deus, meu tesouro, meu tudo. Eu quero viver e morrer, repetindo sempre: eu vos amo, eu vos amo, eu vos amo.

19. “E como um cordeiro diante do tosquiador, se calará e não abrirá sua boca” (Is 53,7). Era esse o texto que estava lendo o eunuco da rainha Candace, sem compreender de quem se falava, quando S. Filipe, inspirado pelo Senhor, subiu ao coche em que ele se achava e explicou-lhe que isso se referia ao nosso Redentor Jesus Cristo (At 8,32). Jesus foi denominado cordeiro, porque, à semelhança do cordeiro, foi primeiramente dilacerado no pretório de Pilatos e em segui- da conduzido à morte. Assim João Batista exclamou: “Eis o Cordeiro de Deus, eis o que tira os pecados do mundo”. Ele é o Cordeiro que padece e que morre como vítima na cruz pelos pecados dos homens. “Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas fraquezas e carregou com as nossas dores” (Is 53,4). Infelizes aqueles que não tiverem amado a Jesus Cristo durante a sua vida. No dia do juízo, a vista deste cordeiro irado os fará dizer aos montes: “Montes, caí sobre nós e escondei-nos da face daquele que está assentado sobre o trono e da ira do cordeiro” (Ap 6,6). Ó meu divino Cordeiro, se até agora não vos amei, quero dora em diante amar-vos sempre. Eu estava cego, mas agora que me iluminastes e me fizestes conhecer o grande mal que fiz, voltando-vos as costas, e o amor infinito que mereceis por vossa bondade e pelo amor que me mostrastes, arrependo-me de todo o coração de vos haver ofendido e vos amo sobre todas as coisas. Ó chagas, ó sangue de meu Redentor, vós, que haveis abrasado em amor tantas almas, inflamai também a minha alma. Ó meu Jesus, fazei que eu sempre me recorde de vossa paixão e das penas e ignomínias que nela sofrestes por mim, a fim de que eu desprenda meus afetos dos bens terrenos e os ponha todos em vós, único e infinito bem. Eu vos amo, Cordeiro de Deus, sacrificado e morto sobre a cruz por amor de mim. Vós não recusastes sofrer por mim e eu não recuso padecer por vós quanto quiserdes. Não quero queixar-me mais das cruzes que me enviardes. Eu deveria há tantos anos estar no inferno, como posso, pois lamentar-me? Dai-me a graça de amar-vos e fazei de mim o que vos aprouver. “Quem me há de separar da caridade de Cristo?” Ah, meu Jesus, só o pecado pode separar-me do vosso amor, por isso não permitais que eu peque novamente: dai-me antes a morte; peço-vos por vossa paixão. E a vós suplico, ó Maria, que me livreis da morte do pecado por vossas dores.

20. “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” (Mt 27,46). Ó Deus, quem não se compadecerá do Filho de Deus que está morrendo sobre a cruz? Ele é atormentado exteriormente no seu corpo por inúmeras chagas e interiormente estão tão aflito e triste que pro- cura alívio a seus tormentos junto de seu eterno Pai. Este, porém, para satisfazer a justiça divina, abandona-o e deixa-o morrer em desolação e privado de todo o conforto. Oh! morte desolada de meu amado Redentor, vós sois minha esperança. Ó meu Jesus abandonado, vossos merecimentos dão-me a esperança de não viver abandonado e separado de vós para sempre no inferno. Não pretendo viver em consolações nesta terra, abraço todas as penas e desolações quem mereceu os tormentos eternos, ofendendo-vos. Basta-me o amar-vos e viver na vossa graça. Peço-vos unicamente que não permitais que me veja ainda uma só vez privado de vosso amor. Ainda que todos me abandonem, não me abandoneis vós, condenando-me a esta suma desgraça. Eu vos amo, meu Jesus, que morrestes abandonado por mim; eu vos amo, meu único bem, minha única esperança, meu único amor.

21. “Eles o crucificaram e com ele dois outros, um de um lado e o outro de outro, ficando Jesus no meio” (Jo 19,18). A esposa sagrada chama o Verbo encarnado “todo desejável é o meu dileto” (Ct 5,16). Em qualquer estado de sua vida em que Jesus se nos apresente, sempre aparece todo desejável e todo amável, quer o contemplemos como um menino na gruta, quer como um operário na oficina de S. José, quer como um solitário em oração no deserto, quer como um pregador banhado em suor percorrendo a Judéia. Em nenhum passo, porém, se nos mostra mais amável que pregado na cruz, onde morre trucidado pelo amor imenso que nos dedica. S. Francisco de Sales dizia: “o monte Calvário é o monte dos que amam; o amor que não nasce da paixão do Salvador é fraco”. Desgraçada é a morte sem o amor do Redentor. Acostumem-nos, pois, a considerar este homem de dores pregado no lenho de opróbrios como nosso Deus, que aí está sofrendo e morrendo exclusivamente por nosso amor. Ó meu Jesus, se todos os homens se detivessem a contemplar-vos na cruz com fé viva, crendo que sois em verdade o seu Deus e morrestes por sua salvação, como poderiam viver longe de vós e privados de vosso amor? E eu, como pude dar-vos tantos desgostos, sabendo tudo isso? Os outros, se vos ofenderam, pecaram nas trevas; eu, porém, vos ofendi na luz. Mas essas mãos transpassadas, esse lado aberto, esse sangue, essas chagas que vejo em vós, fazem-me esperar o perdão e a vossa graça. Arrependo-me, ó meu amor, de vos ter desprezado por algum tempo. Agora, porém, amo- vos de todo o meu coração e não há coisa que mais me atormente do que a lembrança de vos haver desprezado. Esta dor que sinto é sinal de que já me perdoastes. Ó coração inflamado de Jesus, inflamai meu pobre coração. Ó meu Jesus, que morrestes consumido de dor por mim, fazei que eu morra consumido da dor de vos ter ofendido e do amor que vós mereceis. Eu me sacrifico todo a vós que vos sacrificastes todo por mim. Ó Mãe das dores, fazei-me fiel no amor a Jesus Cristo.

22. “E inclinando a cabeça, entregou o seu espírito” (Jo 19,30). Eis, ó meu Redentor, a que ponto vos levou o amor que tendes aos homens, a morrer de dores numa cruz, submergido num mar de penas e ignomínias, como já o previra Davi: “Cheguei ao alto mar e a tempestade me submergiu” (Sl 68,3). S. Francisco de Sales escreve: Consideremos este divino Salvador estendido na cruz, sobre um altar honorífico, no qual morre de amor pelos homens. Ah, por que não nos lançamos em espírito sobre essa cruz para morrer com ele, que quis morrer por amor de nós? Eu o prenderei, devemos dizer, e não o abandonarei jamais; morrerei com ele e me abrasarei nas chamas de seu amor. Um só e o mesmo fogo consumirá esse divino Criador e a sua miserável criatura. O meu Jesus é todo meu e eu sou todo dele. Eu viverei e morrerei sobre seu peito; nem a morte nem a vida me separarão mais de meu Jesus. Sim, meu caro Redentor, eu me abraço com a vossa cruz, beijo os vossos pés transpassados, enternecido e confuso, vendo o afeto com que morrestes por mim. Recebei-me e ligai-me a vossos pés, para que não me separe mais de vós e dora em diante só convosco me entretenha, a vós comunique todos os meus pensamentos, em vós concentre todos os meus afetos, de tal maneira que não busque outra coisa senão amar-vos e agradar-vos, suspirando sempre por sair deste vale de perigos e chegar a amar-vos face a face com todas as minhas forças no vosso reino, que é o reino do eterno amor. Fazei, entretanto, que eu viva sempre no arrependimento das ofensas que vos fiz e ardendo em amor por vós, que por amor de mim destes a vida. Eu vos amo, Jesus, morto por mim, eu vos amo, ó amor infinito, eu vos amo, ó bondade infinita. Ó Mãe do belo amor, Maria, rogai a Jesus por mim.

23. “Ele foi sacrificado porque ele mesmo o quis” (Is 53,7). O Verbo encarnado, no instante de sua conceição, viu diante de si todas as almas que ele deveria remir. Foste também tu, minha alma, apresentada então como ré de todos os pecados que haverias de cometer, e Jesus Cristo aceitou todas as penas que por ti deveria suportar na vida e na morte. Dessa maneira, obteve-te, o perdão e todas as graças que haverias de receber de Deus, as luzes, os convites de seu amor, os auxílios para venceres as tentações, as consolações espirituais, as lágrimas, as doces emoções na consideração do amor que te consagrou e os sentimentos de dor ao te recordares das ofensas que lhe fizeste. Ó meu Jesus, desde, pois, o começo de vossa vida vos sobrecarregastes de todos os meus pecados e vos oferecestes a satisfazer por eles com vossas dores. Com vossa morte me livrastes da morte eterna. “Vós, porém, livrastes a minha alma, para ela não perecer; lançastes para trás de vossas costas todos os meus pecados” (Is 38,17). Vós, meu amor, em vez de castigos pelas injúrias que vos irroguei, me cumulastes de favores e misericórdias, a fim de conquistardes um dia o meu coração. Meu Jesus, esse dia já chegou, eu vos amo com toda a minha alma. E se eu não vos amar, quem vos há de amar? É este, ó meu Jesus, o primeiro pecado que haveis de perdoar-me: o de ter vivido tantos anos no mundo e não vos ter amado. Para o futuro quero fazer o quanto posso para vos agradar. Vossa graça desperta em mim um grande desejo de viver só para vós e desprender-me de todas as coisas criadas. Sinto igualmente um grande desgosto das contrariedades que vos causei. Este desejo e este desgosto são dons vossos, ó meu Jesus. Continuai, pois, ó meu amor, a proteger-me para que eu continue fiel a vosso amor, pois conheceis a minha fraqueza. Fazei-me todo vosso, como vos fizestes todo meu. Eu vos amo, meu único bem, meu único tesouro, meu tudo. Ó meu Jesus, eu vos amo, eu vos amo, eu vos amo. Ó Mãe de Deus, ajudai- me.

24. “Deus, enviando seu Filho na semelhança da carne do pecado, também por causa do pecado condenou o pecado da carne” (Rm 8,3). Deus, pois, enviou seu Filho para remir-nos, revestido da carne humana semelhante à carne pecadora dos outros homens. “Cristo nos remiu da maldição da lei, tornando-se por nosso amor maldito, porque está escrito: Maldito todo aquele que é suspenso no lenho” (Gl 3,3). Assim, Jesus Cristo quer aparecer ao mundo como réu amaldiçoado, pendente da cruz, para nos livrar da maldição eterna. Ó Padre eterno, por amor deste Filho que vos é tão caro, tende piedade de mim. E vós, Jesus, meu Redentor, que com a vossa morte me livrastes da escravidão do pecado com que nasci e dos pecados que cometi depois do batismo, transformai as cadeias que me faziam escravo de Lúcifer em cadeias de ouro que me liguem a vós pelo santo amor. Demonstrai em mim a eficácia de vossa graça e merecimentos, transformando-me de pecador em santo. Eu deveria há muitos anos arder no inferno, mas espero arder em vosso amor e ser todo vosso por vossa infinita misericórdia e para glória de vossa morte. Não quero que meu coração ame outra coisa além de vós. “A nós venha o vosso reino”. Reinai, ó meu Jesus, reinai sobre minha alma inteira. Fazei que ela obedeça tão somente a vós, sós a vós busque e só por vós suspire. Retirai-vos de meu coração, afetos terrenos, e vinde vós, chamas do amor divino, e possuí-me todo e consumi-me em amor por aquele Deus de amor que quis morrer consumido por mim. Eu vos amo, ó meu Jesus, eu vos amo, ó amabilidade infinita e meu verdadeiro amigo. Jamais alguém me amou mais do que a vós e por isso todo a vós me dou e me consagro, meu tesouro, meu tudo.

25. “Ele nos amou e nos lavou de nossos pecados em seu sangue” (Ap 1,5). Assim, ó meu Jesus, para salvar a minha alma, quisestes preparar-lhe um banho com vosso próprio sangue e lavá-la das manchas de seus pecados. Se, pois, nossas almas foram compradas com o vosso sangue (fostes comprados por um grande preço — 1Cor 6,20) é sinal de que vós muito as amais e por isso deixai-me rezar: Pedimos, pois, que socorrais aos vossos servos que remistes com vosso sangue precioso. É certo que com meus pecados tentei separar-me de vós e de livre vontade vos quis perder, mas recordai-vos, ó Jesus, que me comprastes com vosso sangue: não se perca por minha causa este sangue derramado com tanta dor e com tanto amor. Eu com os meus pecados vos expulsei de minha alma, ó meu Deus, e mereci a vossa ira; vós, porém, dissestes que estais pronto a vos esquecer das culpas de um pecador que se arrepende: “Se alguém fizer penitência... não me recordarei de todas as suas iniqüidades” (Ez 18,22). Além disso, afirmastes que amais aquele que vos ama: “Eu amo os que me amam” (Pr 8,17). Esquecei-vos, portanto, ó meu Jesus, de todos os desgostos que vos causei e amai-me; pois eu agora vos amo mais do que a mim mesmo e me arrependo sobre todas as coisas de vos haver ofendido. Eia, pois, meu amado Salva- dor, por amor daquele sangue que derramastes por meu amor, não me odieis e amai-me. Não me contento se só me perdoardes o castigo que mereci; eu quero amar e ser amado por vós. Ó Deus todo amor, todo bondade, uni-me e ligai-me todo a vós e não permitais que de vós jamais me separe, para nunca mais me tornar merecedor de vosso ódio. Não, meu Jesus, meu amor, não o permitais: quero ser todo vosso e quero que vós sejais todo meu.

26. “Ele se humilhou a si mesmo, fazendo-se obediente até à morte da cruz” (Fl 2,8). Terão feito os santos mártires uma ação muito grande dando a vida por Deus, quando se considera que ele se humilhou até a morrer na cruz por amor deles? Para se retribuir condignamente a morte de um Deus, não é suficiente o sacrifício das vidas de todos os homens, mas seria necessário que um outro Deus morresse por seu amor. Deixai-me, pois, dizer-vos, meu amado Jesus, com vosso servo S. Francisco de Assis: “Morrerei, Senhor, por amor de vosso amor, que vos dignastes morrer por amor de meu amor”. É verdade, meu Redentor, que no passado eu infelizmente renunciei ao vosso amor por minhas indignas satisfações; agora, porém, iluminado e mudado por vossas graça, estou pronto a dar a vida mil vezes por vosso amor. Oh! antes tivesse eu morrido e não vos tivesse ofendido! Oh! tivesse eu vos amado sempre! Agradeço-vos o tempo que me dais para amar-vos nesta vida, possibilitando-me o amar-vos depois para todo o sempre, na eternidade. Recordai-me sempre, ó meu Jesus, a morte ignominiosa que sofrestes por mim, para que eu não me esqueça mais de amar-vos à vista do amor que me consagrastes. Eu vos amo, bondade infinita, eu vos amo, meu sumo bem, a nós todo me dou e vós, por aquele amor que vos obrigou a morrer por mim, aceitai-me e fazei que antes eu morra e seja destruído do que deixar de vos amar. Dir-vos-ei com S. Francisco de Sales: Ó amor eterno, minha alma vos procura e vos escolhe para sempre. Vinde, Espírito Santo, e inflamai os nossos corações com vosso amor. Ou amar, ou morrer. Morrer a todo outro amor para viver só para amor de Jesus.

27. “A caridade de Cristo nos impele” (2Cor 5,14). Muito ternas e cheias de unção são as palavras que escreve S. Francisco de Sales sobre este texto no seu livro do amor de Deus: Ouvi, Teótimo, nenhuma coisa constrange e solicita o coração do homem como o amor. Se alguém se sente amado por quem quer que seja, vê-se obrigado a amá-lo; quando, porém, um rústico é amado por um grande senhor, fica-lhe ainda mais obrigado, e quando é por um monarca, torna-se maior a sua obrigação. Sabendo, pois, que Jesus, verdadeiro Deus, nos amou até sofrer por nós a morte e a morte da cruz, não é isto sentir os nossos corações como num torniquete que os comprime e os força, a tresvazar amor com uma violência que é tanto mais forte quanto mais amável? Ó meu Jesus, desde que quereis ser amado por mim, fazei que me lembre sempre do amor que me mostrastes e das penas que sofrestes para patentear-me esse amor. Fazei que a sua recordação não se afaste mais de minha mente e da mente de todos os homens, pois não é possível crer que vós padecestes para nos obrigar a vos amar e não amar-vos. No passado foi esse estado de minha vida tão desregrada e celerada, por não ter considerado, ó meu Jesus, o afeto que tínheis por mim. Eu conhecia, entretanto, o grande desgosto que vos causava com os meus pecados e, não obstante isso, os cometi e repeti. Todas as vezes que disso me recordo desejaria morrer de dor e não teria coragem de pedir-vos perdão se não soubesse que morrestes para me perdoar. Vós me suportastes para que, à vista do mal que vos fiz e da morte que sofrestes por mim, eu sinta maior dor e amor para convosco. Eu me arrependo, meu caro Redentor, de todo o meu coração, de vos haver ofendido e vos amo com toda a minha alma. Depois de tantos sinais de vosso amor e de tanta misericórdia usada para comigo, prometo-vos que não quero mais amar outra coisa fora de vós e quero amar-vos com todas as minhas forças. Vós sois, ó meu Jesus, o meu amor, o meu tudo. Vós sois o meu amor, porque em vós pus todos os meus afetos. Vós sois o meu tudo, por- que não quero outra coisa senão vós. Fazei, portanto, que eu sempre vos chame na vida e na morte por toda a eternidade, meu Deus, meu amor, meu tudo.

28. “A caridade de Cristo nos impele” (2Cor 5,14). Consideremos mais uma vez a força destas palavras. O Apóstolo quer dizer que não é tanto o que Jesus Cristo sofreu por nós na sua paixão que nos deve obrigar a amá-lo, quanto o amor que ele nos demonstrou, querendo padecer tanto por nós. Este amor levava nosso Salvador a dizer durante sua vida que se sentia morrer de desejo de ver chegar logo a hora de sua morte, para fazer-nos conhecer o imenso amor que nos dedicava: “Eu devo ser batizado com um batismo e em que ansiedade me sinto eu até que ele se cumpra” (Lc 12,50). E esse amor ainda o fez exclamar na última noite de sua vida: “Eu desejei ardentemente comer esta páscoa convosco” (Lc 22,15). Tão grande, pois, ó meu Jesus, foi o desejo que tínheis de ser amado por nós, que durante toda a vossa vida não desejastes outra coisa senão padecer e morrer por nós, para nos obrigar a amar-vos ao menos em agradecimento de tão grande amor. Vós tanto anelais o nosso amor e nós tão pouco desejamos o vosso! Infeliz de mim, no passado fui tão louco que não só não desejei o vosso amor, mas provoquei mesmo a vossa ira, perdendo-vos o respeito. Meu caro Redentor, reconheço o mal que fiz e o detesto sobre todas as coisas e me arrependo de todo o meu coração. Agora só desejo o vosso amor mais do que todos os bens do mundo. Sumo e único tesouro meu, eu vos amo sobre todas as coisas, vos amo mais do que a mim mesmo, vos amo com toda a minha alma e nada mais desejo senão amar-vos e ser amado por vós. Esquecei-vos, ó meu Jesus, das ofensas que vos fiz e amai-me muito para que eu também muito vos possa amar. Vós sois o meu amor, vós sois a minha esperança. Já sabeis como eu sou fraco, ajudai-me, Jesus, meu amor, ajudai-me, Jesus, minha esperança. Socorrei-me também vós com as vossas súplicas, ó grande Mãe de Deus, Maria.

29. “Ninguém tem mais amor que o daquele que dá a própria vida por seus amigos” (Jo 15,13). E que mais podia fazer o teu Deus, ó minha alma, do que dar a vida para fazer-se amar de ti? Dar a vida é o maior sinal de afeto que um homem pode dar a um outro seu amigo. Que afeto, porém, não foi aquele de nosso Criador, querendo morrer por nós, suas criaturas? É o que nos faz considerar S. João, quando escreve: Nisso conhecemos a caridade de Deus, porque ele deu sua alma por nós (Jo 3,16). Se a fé não nos ensinasse que um Deus quis morrer para nos provar o seu amor, quem jamais o creria? Ah, meu Jesus, eu creio que vós morrestes por mim e por isso me confesso digno de mil infernos, por ter pago com injúrias e ingratidões o amor que me mostrastes, dando a vossa vida por mim. Agradeço a vossa misericórdia, que prometeu perdoar àquele que se arrepende. Confiado, pois, nessa doce promessa. espero de vós o perdão e entretanto me arrependo de todo o meu coração de haver tantas vezes desprezado o vosso amor. Mas visto que o vosso amor não me abandonou ainda, vencido por vosso amor, consagro-me inteira- mente a vós. Vós, meu Jesus, consumistes a vossa vida morrendo de dores numa cruz. Que vos posso oferecer em agradecimento, eu, miserável criatura? Consagro-vos a minha vida, abraçando todos os sofrimentos que me vierem de vossas mãos, tanto na vida como na morte. Enternecido e confundido com tão grande misericórdia usada para comigo, abraço com a vossa cruz os vossos pés e assim quero viver e morrer. Ó meu Redentor, pelo amor com que me amastes, morrendo por mim, não permitais que eu me separe jamais de vós. Fazei que eu viva sempre e morre abraçado convosco. Meu Jesus, meu Jesus, eu o repito, fazei que eu viva sempre e morra abraçado convosco.

30. “Eu, quando for exaltado da terra, atrairei tudo a mim.” (Jo 12,32). Vós dissestes, meu Salvador, que uma vez na cruz, atrairíeis a vós todos os corações. Como então o meu coração viveu por tantos anos longe de vós? Ah, a culpa não é vossa. Quantas vezes não me chamastes ao vosso amor e eu me fiz surdo? Quantas vezes me perdoastes e advertistes amorosamente com os remorsos da consciência a não mais vos ofender e eu tornei a ofender-vos? Ah, meu Jesus, não me envieis ao inferno, porque lá maldirei para sempre todas essas graças que me concedestes, pois essas graças todas, as luzes que me destes, os convites feitos, a paciência com que me suportastes, o sangue derramado para salvar-me serão o tormento mais cruel de todo o inferno. Sinto, porém, que novamente me chamais e me dizeis com tanto amor, como se eu nunca vos tivesse ofendido: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração”. Vós me mandais que eu vos ame e eu vos amo de todo o meu coração. Mas se não mo mandásseis, ó meu Jesus, poderia eu viver sem vos amar, depois de tantas provas de vosso afeto? Sim, eu vos amo, meu sumo bem, eu vos amo de todo o meu coração. Amo-vos porque o mandais, amo-vos porque sois digno de amor infinito; amo-vos, e não desejo nada mais senão amar-vos e nenhuma coisa temo senão ver-me separado de vós e viver sem vosso amor. Ó meu amor crucificado, não permitais que eu cesse jamais de vos amar. Recordai-me sempre a morte que por mim sofrestes. Recordai-me as finezas que me tendes demonstrado e fazei que a sua lembrança me inflame sempre mais a amar-vos e a consumir-me por vós, que vos consumistes como vítima de amor por mim sobre a cruz.

31. “O que não poupou nem sequer seu próprio Filho, mas entregou-o por nós todos, como não nos terá dado com ele todas as coisas?” (Rm 8,32). Oh! quantas chamas de amor não deveriam acender em nossos corações essas palavras: entregou-o por todos nós. A justiça divina, ofendida por nossos pecados, devia ser satisfeita, e que faz Deus? para nos perdoar, quer que seu Filho seja condenado à morte e pague o castigo que tínhamos merecido: Não poupou seu próprio Filho. Ó Deus, se o Padre eterno estivesse sujeito à dor, que dor não teria sentido ao condenar à morte seu Filho predileto e inocente pelos pecados de seus escravos! Figuremo-nos o Padre com seu Filho morto nos braços, a exclamar: “Eu o feri por causa dos crimes de meu povo” (Is 53,8). Tinha, pois, razão S. Francisco de Paula de exclamar em êxtase de amor, ao considerar a morte de Jesus Cristo: Ó caridade, ó caridade, ó caridade! Ao demais, quanta confiança não vos devem inspirar as palavras que seguem: Como não vos terá dado com ele todas as coisas? Como posso eu temer, ó meu Deus, que não me dareis o perdão, a perseverança, o vosso amor, o paraíso e todas as graças que posso esperar de vós, depois de me haverdes dado o objeto que vos é mais caro, a saber o vosso próprio Filho? Já compreendo o que devo fazer para obter de vós todos os bens: é pedir-vos pelo amor de Jesus Cristo. Isto é o que me ensinou o mesmo Jesus: “Em verdade, em verdade eu vos digo, se pedirdes alguma coisa a meu Pai em meu nome, ele vo-la dará” (Jo 16,23). Meu sumo e eterno Deus, eu até ao presente desprezei a vossa majestade e bondade infinita, mas agora eu vos amo sobre todas as coisas e porque eu vos amo, me arrependo de todo o coração de vos haver ofendido e proponho aceitar antes a morte e todos os sofrimentos do que vos tornar a ofender. Perdoai-me e concedei-me as graças que, confiado nas promessas de Jesus Cristo, agora vos peço. Em nome de Jesus Cristo vos peço a santa perseverança até à morte; dai-me um perfeito e puro amor para convosco; dai-me uma total conformidade com a vossa santa vontade; dai-me, finalmente, o paraíso. Tudo isso eu espero e vos peço pelos merecimentos de Jesus Cristo. Eu não mereço nada: mereço apenas castigos e não graças; Vós porém, nada negais a quem vos suplica pelo amor de Jesus Cristo. Ah, meu bom Deus, vejo que me quereis todo a vós e eu quero ser todo vosso e não quero temer que os meus pecados me impeçam ser todo vosso: Jesus Cristo já satisfez por eles, e vós, em consideração ao amor de Jesus, estais pronto a conceder-me tudo o que eu desejo. Ele é o meu desejo e o meu pedido. Meu Deus, ouvi-me: eu quero amar-vos, eu quero amar-vos muito e ser todo vosso. Maria santíssima, auxiliai-me.

32. “Nós, porém, pregamos Jesus crucificado, que é um escândalo para os judeus e uma loucura para os gentios” (1Cor 1,25). Segundo nos atesta S. Paulo, os gentios, ouvindo pregar que o Filho de Deus tinha sido crucificado pela salvação dos homens, tinham isso em conta de loucura. Quem poderá crer nessa loucura, diziam, que um Deus tenha querido morrer por amor de suas criaturas? Até S. Maria Madalena de Pazzi, extasiada de amor, exclamava, fora de si: Não sabeis, caras irmãs, que o meu Jesus não é senão amor? que ele é louco de amor? Digo que sois louco de amor, ó meu Jesus, e sempre o direi. Ah, meu Redentor, se eu possuísse os corações de todos os homens e com esses corações vos amasse quanto mereceis! Ó Deus de amor, por que é que nesta terra, na qual derramastes todo o vosso sangue e destes a vida por amor dos homens, tão poucos homens ardem em amor por vós? Vós viestes para acender nos nossos corações o fogo desse amor e nada mais desejais do que vê-lo aceso: “Eu vim trazer fogo à terra e que desejo eu, senão que ele se acenda?” (Lc 12,49). Suplico-vos, pois, com a santa Igreja, para mim e para todos os homens que vivem: Acendei neles o fogo de vosso amor, acendei, acendei. Meu Deus todo bondade, todo amor. fazei-vos conhecer e fazei-vos amar por todos. Eu não me acanho de assim rogar, eu, que no passado desprezei mais que os outros o vosso amor. Agora, iluminado com a vossa graça e ferido por tantas setas de amor que me dirigistes de vosso coração inflamado e abrasado de amor por minha alma, não quero mais ser ingrato como fui até aqui; quero amar-vos com todas as minhas forças, quero arder em vosso amor e vós mo haveis de conceder. Não pretendo consolações e ternuras no vosso amor, não as mereço, nem vo-las peço, basta-me que eu vos ame. Amo-vos, meu sumo bem, amo-vos, meu Deus, meu tudo: “Meu Deus e meu tudo”.

33. “Nele pôs as iniqüidades de nós todos... e o Senhor quis quebrantá-la na sua enfermidade” (Is 53,6-10). Eis aqui até onde chegou o amor de Deus para com os homens. O eterno Padre carregou sobre os ombros de seu próprio Filho todos os nossos pecados e quis que o Filho pagasse com todo o rigor o castigo que merecíamos, fazendo-o morrer sobre um lenho infame, consumido de dores. Tem, pois, o apóstolo razão, falando de tal amor, de chamá-lo excessivo, querendo Deus que nós recebêssemos a vida por meio da morte de seu Filho querido: “Por causa da excessiva caridade com que nos amou, quando estávamos mortos pelos pecados, nos convivificou em Cristo (Ef 2,4-5). Muito, pois, me tendes amado, ó meu Deus, e mui ingrato me tenho mostrado, ofendendo-vos e voltando-vos tantas vezes as contas. Ó eterno Pai, olhai naquela cruz vosso Filho unigênito, dilacerado e morto por mim, e por seu amor perdoai-me e arrebatai o meu coração ao vosso amor. “Senhor, vós não desprezareis um coração contrito e humilhado”. Vós não sabeis desprezar um coração que se humilha e se arrepende pelo amor de Jesus morto por nossa salvação. Reconheço que mereço mil infernos, mas me arrependo de todo o meu coração de vos ter ofendido, ó sumo bem. Não me repilais, mas tende piedade de mim. Não me contento, porém, com o simples perdão: quero que me concedais um grande amor para convosco, que compense todas as ofensas que vos tenho feito. Eu vos amo, bondade infinita, eu vos amo, ó Deus de amor. Pouco seria se eu morresse e me consumisse por vós. Quereria amar-vos quanto o mereceis. Mas vós sabeis que eu nada posso, fazei-me vós mesmo grato ao grande afeto que me tendes, eu vo-lo peço pelo amor de Jesus, vosso Filho. Fazei que em vida eu supere tudo para vos agradar e na morte esteja todo unido à vossa vontade, para chegar e amar-vos face a face com um amor perfeito e eterno no paraíso.

34. “Eu sou o bom Pastor: o bom pastor dá a sua alma por suas ovelhas” (Jo 10,11). Que dizeis, meu Jesus? que pastor quer dar a vida por suas ovelhas? Só vós, porque sois um Deus de infinito amor, pudestes dizer: “E eu dou a vida por minhas ovelhas”. Só vós pudestes demonstrar no mundo esse excesso de amor, que, sendo nosso Deus e nosso supremo Senhor, quisestes morrer por nós. Desse excesso falavam Moisés e Elias no monte Tabor: “Falavam do excesso que realizaria em Jerusalém” (Lc 9,31). Também S. João nos exorta a amar um Deus que foi o primeiro a amar-nos: “Amemos, pois, a ele, porque Deus nos amou primeiro” (1Jo 4,19). É como se dissesse: se não quisermos amar este Deus por sua infinita bondade, amemo-lo ao menos pelo amor que nos demonstrou, querendo sofrer por nós as penas que nos eram devidas. Recordai-vos, pois, meu caro Jesus, que eu sou uma daquelas vossas ovelhas pelas quais destes a vida. Olhai-me com um daqueles olhares piedosos com que um dia do alto da cruz me olhastes, morrendo por mim: olhai-me, mudai-me e salvai-me. Vós afirmastes ser o pastor amoroso que, encontrando a ovelha perdida, a toma com alegria e a coloca sobre os ombros e chama os amigos para se alegrarem com ele: “Congratulai-vos comigo, porque encontrei a ovelha que havia perdido” (Lc 15,6).. Eis, eu sou a ovelha perdida, buscai-me e carregai-me: “Errei como uma ovelha que se perde; buscai o vosso servo” (Sl 118,176). Se por minha culpa ainda não me encontrastes, prendei-me agora, carregai-me e ligai-me a vós, para que não tresmalhe mais. O laço deve ser o vosso amor, se não me ligardes com esse doce laço, me perderei de novo. Ah, não fostes vós que deixastes de ligar-me com vosso santo amor, mas fui eu, ingrato, que andei fugindo sempre de vós. Peço-vos, porém, por aquela infinita misericórdia que vos fez descer à terra em busca de mim, ligai-me, mas ligai-me com laço duplo de amor, para que não me percais jamais e eu nunca mais vos perca. Meu amado Redentor, não quero separar-me mais de vós. Renuncio a todo bem e gosto deste mundo e me prontifico a padecer todas as penas, toda a espécie de morte, para que viva sempre e morra ligado a vós. Amo-vos, meu amabilíssimo Jesus, eu vos amo, meu bom pastor, morto por vossa ovelha perdida; ficai sabendo que esta ovelha agora vos ama mais do que a si mesma e não deseja outra coisa que amar-vos e consumir-se por vosso amor. Tende compaixão dela, amai-a e não permitais que se separe jamais de vós.

35. “Eu mesmo ponho a minha vida... Ninguém a toma de mim, porém eu de mim mesmo a entrego” (Jo 10,17-18). Eis, pois, que o Verbo encarnado, arrastado unicamente pelo amor que sente por nós, aceita a morte na cruz, para restituir ao homem a vida que perdera. Eis que um Deus, diz S. Tomás, faz pelo homem o que mais não poderia fazer se o homem fosse o deus dele (para assim falar) e como se Deus, privado do homem, não pudesse ser feliz. Nós pecamos, e pecando merecemos as penas eternas. E que faz Jesus? toma sobre si a obrigação de satisfazer e pagar por nós com seus sofrimentos e sua morte: “Em verdade tomou sobre si as nossas fraquezas e ele mesmo carregou com as nossas dores” (Is 53,4). Ah, meu Jesus, pois que fui a causa de tantas amarguras e tormentos que sofrestes durante a vida na terra, peço-vos que me façais participar da dor que sentistes dos meus pecados e confiar na vossa paixão. Que seria de mim, se vos não houvésseis dignado satisfazer por mim? Ó majestade infinita, arrependo-me de todo o coração de vos ter ultrajado, mas espero de vós compaixão, ó bondade infinita. Aplicai à minha alma, ó Salvador do mundo, o fruto da vossa morte, e de rebelde e ingrato que hei sido, tornai-me vosso filho tão amoroso que não ame senão a vós e nada mais tema senão causar-vos desgosto. Que aquele amor imenso que vos fez morrer por mim, também faça morrer em mim todos os afetos terrenos. Ó meu Jesus, tomai o meu corpo, para que ele só me sirva para vos obedecer, tomai o eu coração para que ele só um desejo tenha, o de vos agradar; tomai a minha vontade, para que ela não queira senão o que vós quereis. Eu vos abraço e aperto ao meu coração, meu Redentor; não vos dedigneis de vos unir a mim. Eu vos amo, ó Deus de amor, eu vos amo, meu único bem. E quem terá coração capaz de vos abandonar, depois de me haverdes feito conhecer quanto me tendes amado e quanta misericórdia usastes comigo, mudando os castigos que me eram devidos em graças e finezas? Ó Virgem santa, alcançai-me a graça de me mostrar grato a vosso Filho.

36. “Destruindo o quirógrafo do decreto que existia contra nós, ele o pôs de lado, pregando-o na cruz” (Cl 2,14). Já estava escrita contra nós a sentença que nos condenava à morte eterna como rebeldes contra a divina Majestade. E que fez Jesus Cristo? Com seu sangue apagou a escritura da condenação e para livrar-nos de todo o temor afixou-a à sua cruz, na qual morreu para satisfazer por nós a justiça divina. Considera, minha alma, a obrigação de contraíste para com este teu Redentor e ouve o que te diz o Espírito Santo: “Não te esqueças da graça que te fez teu fiador” (Eclo 29,20). Quando, pois, te recordares de teus pecados, olha para a cruz e confia: olha para aquele lenho sagrado, tinto com o sangue do Cordeiro de Deus, sacrificado por teu amor, e espera e ama o Deus que tanto te amou. Sim, meu Jesus, eu tudo espero da bondade infinita que sois vós. É próprio de vossa natureza divina pagar o mal com o bem a quem, tendo-se emendado de suas culpas, se arrepende de as haver cometido e vos ama. Sim, meu amado Redentor, o que me dói acima de todos os males é haver desprezado a vossa bondade. Ferido por vosso amor, eu vos amo e desejo comprazer-vos em tudo que for de vosso agrado. Miserável que sou! quando eu estava em pecado, era escravo do demônio e ele era meu senhor. Agora, espero estar na vossa graça, sede vós só, meu Jesus, meu único Senhor e meu único amor. Tomai posse de mim, possuí-me inteiramente, pois eu quero ser só vosso e todo vosso. Não, eu não quero mais esquecer-me dos tormentos que sofrestes por mim, para inflamar-me cada vez mais e crescer no vosso amor. Eu vos amo, meu amabilíssimo Redentor, eu vos amo, ó Verbo encarnado, meu tesouro, meu tudo, eu vos amo, eu vos amo.

37. “Se alguém pecar, temos um advogado junto do Pai, Jesus Cristo, o justo, e ele é a propiciação pelos nossos pecados” (1Jo 2,1- 2). Oh! quanta confiança não inspiram estas palavras aos pecadores arrependidos! Jesus Cristo, no céu, está fazendo o ofício de advogado deles e lhes obtendo com segurança o perdão. Quando um pecador escapa de suas cadeias, o demônio o tenta desconfiar do perdão. S. Paulo, porém, o anima, dizendo: “Quem é que nos condenará? Jesus Cristo, que morreu... e que também intercede por nós” (Rm 8,34). O Apóstolo quer dizer: se nós detestarmos os pecados cometidos, por que havemos de temer? Quem é que nos há de condenar? Jesus Cristo, o mesmo que morreu para não nos condenar e presentemente está no céu e nos defende. E continua a dizer: “Quem, pois, nos separará da caridade de Cristo?” como se dissesse: Depois de termos sido perdoados por Jesus Cristo e recebidos na sua graça, quem terá mais coragem para voltar-lhe as costas e separar-se de seu amor? Não, ó meu Jesus, não quero mais viver separado de vós e privado de vosso amor. Deploro aqueles dias infelizes que vivi sem a vossa graça. Espero que já me tenhais perdoado, pois eu vos amo e vós me amais. Vós, porém, me amais com um amor imenso e eu vos amo tão pouco: dai-me mais amor. Ó bondade infinita, eu me arrependo sobre todas as coisas de vos haver assim maltratado no passado; agora, porém, amo-vos sobre todas as coisas, amo-vos mais do que a mim mesmo e me comprazo mais, ó meu Deus, em saber que sois infinitamente feliz do que com toda a minha felicidade própria, porque amo mais a vós, que mereceis um amor infinito, do que a mim, que só mereço o inferno. Jesus, eu não quero outra coisa de vós senão vós mesmo.

38. “Vinde a mim vós todos que trabalhais e estais sobrecarregados, que eu vos aliviarei” (Mt 11,28). Ouçamos a Jesus Cristo, que da cruz na qual está pregado e do altar permanece sacramentado nos chama a nós, pobres e aflitos pecadores, para nos consolar e enriquecer com suas graças. Oh! que dois grandes mistérios de esperança e de amor são para nós a paixão de Jesus e o sacramento da Eucaristia; mistérios que seriam inaceitáveis se a fé não nos desse certeza. Um Deus querer derramar todo o seu sangue até à última gota (o que significa a palavra: será derramado — Mt 26,28) e por quê? para pagar pelos nossos pecados. E querer ainda dar em alimento às nossas almas esse mesmo corpo que fora sacrificado na cruz para nossa salvação. Estes grandes mistérios deveriam enternecer os corações mais duros e abrandar os pecadores mais desprezados. Diz em suma o Apóstolo que “fomos enriquecidos em todas as coisas nele... de modo que nada nos falta em graça alguma” (1Cor 1,5-7). Basta que invoquemos este Deus, para que use de misericórdia conosco, que ele encherá de graças cada um que lhe peça, como nos assegura o mesmo Apóstolo: “Ele é rico para com todos que o invocam” (Rm 10,12). Logo, meu divino Salvador, se eu tenho motivo de desesperar do perdão das ofensas e traições que vos fiz, tenho muito mais motivo de confiar na vossa bondade. Meu Pai, eu vos abandonei qual filho ingrato, agora eu me volto para vossos pés, contrito e enternecido por tanta misericórdia usada para comigo, e humilhado vos digo: “Pai, eu não sou digno de ser chamado vosso filho.” Vós dissestes que há festa no paraíso quando um pecador se converte (Lc 15,7). Eis que eu abandono tudo e me volto para vós, meu Pai crucificado; eu me arrependo de todo o meu coração de vos haver perdido o respeito, 
voltando-vos as costas. Recebei-me novamente na vossa graça e inflamai-me no vosso santo amor, para que nunca mais vos abandone. Vós dissestes: “Eu vim para que tenham a vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Por isso, eu não só espero de vós a graça que eu já possuía antes de vos ofender, mas uma abundância de graça que me transforme todo em fogo para vos amar. Oh! pudesse eu amar-vos, ó meu Deus, quanto mereceis! Eu vos amo sobre todas as coisas, eu vos amo mais do que a mim mesmo, eu vos amo com todo o meu coração e desejo o céu para amar-vos eternamente: “Pois que tenho eu no céu e fora de ti, que desejei eu sobre a terra? Deus, para sempre” (Sl 72,25-26). Ah, Deus de meu coração, tomai e conservai a posse de todo o meu coração e arrancai dele todo o afeto que não for para vós. Vós sois o único tesouro, meu único amor. Eu só quero a vós e nada mais. Ó Maria, minha esperança, atraí-me todo a Deus com as vossas súplicas. Amém.

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