sábado, 18 de março de 2023

A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo - Sto. Afonso Maria de Ligorio

CAPÍTULO V

Jesus ora no horto e sua sangue

“E tendo dito o hino, saíram para o monte das Oliveiras... Então Jesus foi com eles a uma granja chamada Getsêmani” (Mt 26,30). Tendo feito a ação de graças depois da ceia, Jesus deixa o cenáculo com seus discípulos, entra no horto de Getsêmani e se põe a orar; mal, porém, começa a orar assaltam-no ao mesmo tempo um grande temor, um grande tédio e uma grande tristeza, diz S. Marcos (14,33). E S. Mateus ajunta: “Começou a entristecer-se e ficar angustiado”. Oprimido por essa tristeza, nosso Redentor diz que sua alma está aflita até a morte (Mc 14,34). Passou-lhe então diante dos olhos toda a cena funesta dos tormentos e dos opróbrios que lhe estavam preparados. Esses tormentos o oprimiram durante sua paixão cada um por sua vez, sucessivamente, mas aqui no horto todos juntos e ao mesmo tempo o afligiram, as bofetadas, os escarros, os flagelos, os espinhos, os cravos e os vitupérios que teria de sofrer depois. Jesus os abraça todos juntos, mas, aceitando-os, sua natureza treme, agoniza e ora: “Estando em agonia, orava com mais instância” (Lc 22,43). Mas, ó meu Jesus, quem vos obriga a sofrer tantas penas? É o amor que tenho aos homens, responde Jesus. Oh! como o céu terá pasmado vendo a fortaleza tornar-se fraca, a alegria do paraíso se entristecer. Um Deus aflito! E por quê? Para salvar os homens, suas criaturas. Naquele horto se consumou o primeiro sacrifício: Jesus foi a vítima, o amor foi o sacerdote e o ardor de seu afeto para com os homens foi o fogo bem-aventurado que consumia o sacrifício.

“Meu Pai, se for possível, passe de mim este cálice” (Mt 26,39). Assim suplica Jesus. Ele, porém, assim suplica não tanto para ver-se livre como para nos fazer compreender a pena que sofre e aceita por nosso amor. Suplica também assim para nos ensinar que nas tribulações podemos pedir a Deus que nos livre delas, mas, ao mesmo tempo, devemos em tudo nos confortar com sua divina vontade e dizer como ele: “Contudo não se faça o que eu quero, mas como vós quereis” (Mt 26,39). Sim, meu Senhor, eu abraço por vosso amor todas as cruzes que quiserdes enviar-me. Vós inocentemente tanto sofrestes por meu amor e eu, pecador, depois de haver merecido tantas vezes o inferno, recusarei sofrer para vos comprazer e alcançar de vós o perdão e a vossa graça? Não seja feita a minha vontade, mas a vossa.

“Prostrou-se em terra” (Mc 14,35). Jesus naquela oração prostrou-se com a face na terra, porque, vendo-se coberto com a veste sórdida de todos os nossos pecados, se envergonhara de levantar o rosto para o céu. Meu caro Redentor, não teria coragem de pedir-vos perdão de tantas injúrias que vos fiz, se os vossos sofrimentos e méritos não me dessem confiança. Padre eterno, olhai para a face de vosso Cristo; não olheis as minhas iniqüidades, olhai esse vosso Filho querido, que treme, que agoniza, que sua sangue para obter-me de vós o perdão. “E seu suor se fez como gotas de sangue correndo sobre a terra” (Lc 22,44). Contemplai-o e tende piedade de mim. Mas, ó meu Jesus, nesse jardim não existem carnífices que vos flagelem, nem espinhos, nem cravos: e que vos faz derramar tanto sangue? ah, eu compreendo, não foi tanto a previsão dos sofrimentos iminentes que então vos afligiu, pois já vos havíeis oferecido para sofrer essas penas: Foi oferecido porque ele mesmo o quis (Is 53,7), mas foi a vista de meus pecados: eles foram a prensa cruel que espremeu o sangue de vossas sagradas veias. Não foram tão cruéis os carrascos, não foram tão atrozes os flagelos, os espinhos, a cruz, como o foram os meus pecados, ó meu doce Salvador, que tanto vos afligiram no horto.

Achando-vos num estado de grande aflição, eu ainda me prestei a atormentar-vos e muito com o peso de minhas culpas. Se eu tivesse pecado menos, vós teríeis padecido menos. Eis aí a paga que eu vos dei por vosso amor, que quis morrer por mim, ajuntando penas às vossas penas. Meu amado Senhor, eu me arrependo de vos haver ofendido; pesa-me disso, mas esta minha dor é mui pequena. Desejaria uma dor que me tirasse a vida. Eia, pois, por aquela agonia tão amarga que sofrestes no horto, fazei-me participar da aversão que tivestes dos meus pecados. E se então eu vos afligi com as minhas ingratidões, fazei que agora eu vos amo de todo o meu coração, eu vos amo mais do que a mim mesmo e por vosso amor renuncio a todos os prazeres e bens da terra. Vós só sois e sereis sempre o meu único bem, meu único amor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário