Sessão XIV (25-11-1551)
Cap. 7. — A reservação de casos
903. Visto que a natureza e a forma do juízo pedem que a sentença se profira somente sobre os súditos, a Igreja de Deus sempre esteve persuadida, e este Concílio o confirma como verdade indubitável, não ter valor algum aquela absolvição que o sacerdote profere sobre quem não tem jurisdição ordinária ou subdelegada. Aos nossos Santíssimos Padres pareceu, pois, ser de suma importância à disciplina do povo cristão que certos crimes mais atrozes e mais graves não pudessem ser absolvidos por quaisquer pessoas, senão só pelos sumos sacerdotes. Pelo que, com muita razão, puderam os Sumos Pontífices, pelo supremo poder que lhes foi confiado em toda a Igreja, reservar ao seu juízo pessoal algumas causas de crimes mais graves. Entretanto, não há dúvida, uma vez que todas as coisas que são de Deus são ordenadas, que isto compete também aos bispos, a cada um na sua diocese, para edificação, e não para a destruição (2 Cor 13, 10), em vista da autoridade que lhes foi dada sobre os demais sacerdotes, seus súditos, principalmente em relação àqueles a quem está anexa a censura de excomunhão. Assim, pois, é por autoridade divina que esta reservação dos pecados tem seu vigor não só na vigilância externa, mas também na presença de Deus [cân. 11]. Mas, para que ninguém pereça por este motivo, com muito zelo sempre se observou na mesma Igreja de Deus que, em artigo de morte, não haja tal reservação, e por isso todos os sacerdotes podem absolver a quaisquer penitentes e de quaisquer pecados e censuras; sendo que fora deste caso nada podem os sacerdotes nos casos reservados, procurem ao menos persuadir aos penitentes que busquem os juizes superiores e legítimos para o benefício da absolvição.
Cap. 8. — A necessidade e o fruto da satisfação
904. Enfim, no que diz respeito à satisfação, a qual, como todas as demais partes da Penitência, de um lado sempre foi em todo o tempo recomendada ao povo cristão pelos nossos Santíssimos Padres, por outro lado nesta nossa idade, sob o pretexto de piedade, é impugnada por aqueles que têm aparências de piedade, porém negaram a sua virtude (2 Tim 3, 5), declara o santo Concilio ser totalmente falso e alheio à palavra de Deus afirmar que o Senhor nunca perdoa a culpa, sem que também se perdoe toda a pena [cân. 12 e 15]. Claros são os exemplos que se acham nas Sagradas Letras, com o que, além da Tradição divina, manifestamente se evidencia e se refuta este erro (cfr. Gen 3, 16 ss; Num 12, 14 s; 20, 11 s; 2 Rs 12, 13 s, etc.). E na verdade, a razão da justiça divina parece requerer que de um modo diverso recebam do Senhor a graça os que por ignorância pecaram antes do Batismo, e de outro os que, uma vez libertados da escravidão do pecado e do demônio, e tendo recebido o dom do Espírito Santo, cientes do que fazem, não recearam violar o templo de Deus (1 Cor 3, 17) e contristar o Espirito Santo (Ef 4, 30). E também convém à divina clemência que os pecados não nos sejam perdoados sem alguma satisfação, a fim de que, apresentando-se a ocasião (Rom 7, 8), julgando esses pecados leves, não caiamos em maiores culpas, [mostrando-nos] injuriosos e contumeliosos ao Espirito Santo (Heb 10, 29), entesourando assim ira para o dia da ira (Rom 2, 5; Tg 5, 3). Estas penas satisfatórias servem certamente para apartar sumamente do pecado e constituem como que um freio a reprimir os penitentes, fazendo-os mais acautelados e vigilantes para o futuro; curando também os remanescentes do pecado com atos de virtude contrários aos hábitos viciosos que adquiriram vivendo mal. Nem jamais na Igreja de Deus se entendeu haver caminho algum mais seguro para apartar o iminente castigo do Senhor, do que praticarem os homens estas obras de penitência com verdadeira dor de alma (Mt 3, 28; 4, 17; 11, 21, etc.). A isto acresce que, quando satisfazemos padecendo pelos pecados, fazemo-nos conformes a Cristo Jesus, que satisfez pelos nossos pecados (Rom 5, 10; l Jo 2, 1 s), do qual procede toda a nossa suficiência (2 Cor 3, 5), recebendo daqui um certíssimo penhor de que, se padecemos com ele, com ele seremos glorificadas (cfr. Rom 8, 17). Nem se deve dizer que esta nossa satisfação, com que pagamos pelos nossos pecados, é tal, que não seja por Cristo Jesus; pois, não podendo coisa alguma por nós mesmos, tudo podemos com a cooperação daquele que nos conforta (cfr. Filip 4, 13). E assim não tem o homem de que se gloriar, mas toda a nossa glória (cfr. l Cor l, 31; 2 Cor 10, 17; Gal 6, 14) está em Cristo, em que vivemos e em quem nos movemos (cfr. At 17, 28), em quem satisfazemos, produzindo dignos frutos de penitência (Lc 3, 8), que dele tiram a sua virtude, por ele são oferecidos ao Pai e por ele aceitos pelo Pai [cân. 13 s].
905. Devem, pois, os sacerdotes do Senhor, quanto lhes inspirar o espírito e a prudência, conforme a qualidade dos delitos e faculdades dos penitentes, impor-lhes satisfações salutares e convenientes, para que não se façam participantes dos pecados alheios, se por acaso dissimularem os pecados e usarem mais indulgência com os penitentes, impondo-lhes penitências demasiado leves por delitos muito graves (cfr. l Tim 5, 22). Atendam sempre a que a satisfação imposta não sirva somente para resguardar a nova vida e curar da enfermidade, mas também para vingança e castigo dos pecados passados. Porque os antigos Padres crêem e ensinam que as chaves foram concedidas aos sacerdotes não somente para desatar, mas também para ligar (cfr. Mt 16, 19; 18, 18; Jo 20, 23) [cân. 15]. E nem por isso julgaram eles que o sacramento da Penitência é o tribunal da ira ou do castigo; da mesma forma como nenhum católico jamais entendeu que com estas nossas satisfações se obscurece ou diminui em parte a eficácia do merecimento ou a satisfação de Nosso Senhor Jesus Cristo, a despeito dos Inovadores que dizem que a melhor penitência é a nova vida, e assim tiram toda a virtude e uso da satisfação [cân. 13].
Cap. 9. — As obras de satisfação
906. Ensina ainda [o santo Concílio] ser tão grande a liberalidade da divina bondade, que não só podemos satisfazer para com Deus Pai por Jesus Cristo, com as penas que de livre vontade aceitamos em vingança do pecado ou impostas por arbítrio do sacerdote conforme o delito, mas também — o que é a maior prova de amor — com castigos temporais infligidos por Deus, se os aceitarmos com paciência [cân. 13].
Nenhum comentário:
Postar um comentário